Especialista alerta que ativos como criptomoedas, perfis digitais e até “ressurreição por IA” precisam de regras claras
O avanço da economia digital transformou a sucessão patrimonial em um desafio jurídico inédito. Ativos como criptomoedas, NFTs, perfis em redes sociais, contratos eletrônicos, milhas aéreas e contas em plataformas de games podem ter valor expressivo, mas ainda não contam com regulamentação específica no Brasil.
O PL 4/2025 tenta suprir essa lacuna ao definir patrimônio digital e prever a atuação de um “inventariante digital”, figura proposta pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para localizar e catalogar bens digitais em inventários. Para a advogada Laura Zolin, assistente de Planejamento Sucessório na Evoinc, a medida traz eficiência e segurança:
“O inventariante digital pode identificar e preservar ativos como criptomoedas e perfis monetizados, sempre com autorização judicial. Seu papel é restrito a bens de valor patrimonial, vedada a divulgação irrestrita do conteúdo acessado. Isso equilibra a necessidade de inventariar o patrimônio com a proteção da privacidade do falecido.”
Outro ponto delicado é o uso de imagem e voz após a morte. O Código Civil considera esses direitos intransmissíveis, mas há possibilidade de exploração patrimonial quando autorizada em vida.
“Não se transmite os direitos da personalidade em si, mas a faculdade de licenciar economicamente seu uso. É possível regular isso em testamento ou planejamento sucessório bem estruturado, sempre respeitando a dignidade do falecido”, explica Lura.
Quanto à mensuração de ativos intangíveis, como perfis monetizados ou milhas aéreas, a advogada aponta a necessidade de perícia judicial:
“O juiz pode ser assistido por perito para avaliar bens digitais de valor econômico, evitando omissão de ativos e disputas entre herdeiros.”
Já sobre o uso de inteligência artificial para recriar digitalmente pessoas falecidas, tema apelidado de “ressurreição digital”, Laura lembra que a proposta de reforma do Código Civil admite essa prática de forma regulada:
“A tendência legislativa não é proibir de forma absoluta, mas exigir consentimento prévio, transparência de que se trata de IA e controle econômico pelos herdeiros.”
Enquanto não há lei consolidada, especialistas recomendam que titulares de bens digitais antecipem sua vontade por meio de testamento ou cláusulas específicas em planejamento sucessório, reduzindo riscos de litígios e garantindo proteção à memória, à privacidade e ao valor econômico desses ativos.
Fonte: Laura Zolin, advogada e bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca/SP, assistente de Planejamento Sucessório na Evoinc.