Realizada pela primeira vez às margens da Floresta Amazônica, a COP30 deve marcar um “ponto de virada” na construção da agenda climática e “não pode terminar com promessas vagas ou adiadas”. Para isso, é preciso, entre outras medidas, reforçar a cooperação internacional em prol da proteção de florestas tropicais e aumentar investimentos em ciência orientada a missões concretas. Além disso, a biodiversidade precisa “deixar de ser um tema periférico nas negociações climáticas” e ser recolocada no núcleo da agenda global durante a conferência.
Os apontamentos fazem parte de um documento divulgado nesta quarta-feira (22) por Academias de Ciências de 30 países, entre nações da Amazônia e outras que colaboram com pesquisas e financiamento de ações de conservação na região. O texto foi apresentado durante o evento “Um chamado científico para a COP30”, organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e Rede Interamericana de Academias de Ciências (Ianas) em Manaus. Confira a íntegra, em inglês, aqui, e um sumário executivo aqui.
A declaração será agora enviada às delegações dos países participantes da conferência, em especial para as nações de origem dos cientistas que assinam o documento. O objetivo é ajudar a subsidiar discussões e negociações durante a COP30.
A iniciativa ocorre em um momento em que as florestas tropicais aproximam-se de um “ponto crítico” – correndo o risco de perder sua função como sumidouro de carbono, ou seja, de ser capaz de absorver mais CO2 do que emiti-lo. Colaboram para isso ameaças como desmatamento, queimadas, atividades ilegais, mineração predatória, além de grandes obras de infraestrutura e expansão descontrolada da agricultura – situações que têm provocado mudanças de regime da vegetação, degradação florestal, fragmentação de habitats e erosão da resiliência ecológica. “Ao mesmo tempo, os impactos da mudança climática já são evidentes: aumento das temperaturas médias, alterações nos regimes de chuva e secas, incêndios e inundações cada vez mais frequentes e intensos. Esses fenômenos já não são projeções, mas realidades vividas na América do Sul, na África e na Ásia”, cita o documento.
“A degradação dos sistemas naturais ameaça não apenas a subsistência e direitos [de povos indígenas e comunidades locais], mas também a estabilidade social e econômica de nações inteiras. Ignorar essa crise multidimensional — que combina injustiça ambiental, desigualdade histórica e risco existencial — é inaceitável“, afirmam os cientistas.
Ainda no texto, as academias afirmam que, “sem florestas tropicais vivas, funcionais e socialmente integradas, a estabilidade climática global será impossível de sustentar”. Na tentativa de reverter esse cenário, a ciência deve cumprir seu papel como fonte confiável de evidências, ferramenta de planejamento estratégico e base para decisões urgentes e informadas, apontam. “As ações necessárias vão além da conservação ambiental: incluem o fortalecimento da infraestrutura científica nas regiões tropicais, a proteção dos direitos territoriais e culturais dos povos indígenas e a transição para economias sustentáveis, baseadas no conhecimento e impulsionadas pela inovação. O conhecimento para agir já está disponível, as tecnologias existem e caminhos alternativos foram traçados. O que falta é vontade política, cooperação internacional efetiva e compromisso global de longo prazo. A ciência está pronta — mas precisa ser ouvida.”
Entre as recomendações de ações na área científica, está reforçar a cooperação internacional em prol da proteção de florestas tropicais e ampliar investimentos em ciência orientada a missões concretas, voltada a problemas como restauração florestal, recuperação de áreas degradadas, monitoramento do ciclo hidrológico, vigilância ambiental para prevenção de doenças, desenvolvimento de tecnologias sociais, manejo sustentável da biodiversidade e inovação tecnológica em sistemas de uso da terra e mitigação dos impactos das mudanças climáticas. “Isso inclui o avanço em áreas onde a ciência pode oferecer soluções diretas, como monitoramento por sensoriamento remoto, metodologias de contabilização de carbono, tecnologias verdes e de baixo carbono.“
Para o grupo, a COP30 representa uma “oportunidade crucial” para recolocar a biodiversidade no centro da agenda global, “conectando o Acordo de Paris ao Marco Global de Biodiversidade de Kunming–Montreal”, e marcar uma transição para longe dos combustíveis fósseis a fim de garantir a sobrevivência das florestas.
Para reforçar esse objetivo, as academias apontam como prioridades na área científica:
- Apoiar programas científicos e de monitoramento multidisciplinares de grande escala e longo prazo, promovendo intercâmbio e cooperação internacional;
- Promover a formação de novas gerações de cientistas — incluindo jovens, povos indígenas e comunidades tradicionais;
- Reforçar a infraestrutura científica, tecnológica e educacional, garantindo acesso a laboratórios bem equipados, conectividade digital e redes colaborativas de alto nível, além de promover educação e conscientização pública sobre os impactos das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade;
- Estabelecer parcerias com o setor empresarial para desenvolver sistemas sustentáveis de uso da terra, bioeconomia e turismo baseados na biodiversidade;
- Apoiar a formulação e a implementação de políticas públicas baseadas em evidências, garantindo que o conhecimento científico oriente a tomada de decisões estratégicas em todos os níveis de governo e instituições;
- Ampliar os esforços internacionais de observação do clima para monitorar mudanças nos ecossistemas terrestres e oceânicos;
- Reforçar a capacidade de traduzir conhecimento em ação efetiva, superando barreiras práticas e regulatórias à proteção florestal.
Ainda na declaração, as Academias apontam que potenciais soluções para a crise climática já foram elencadas pela ciência, e as ações para implementação destas precisam ser aceleradas. “Estamos em um momento decisivo. A ciência está pronta. O conhecimento acumulado oferece base sólida para agir — mas as ações têm sido lentas, fragmentadas e descoladas da urgência que a situação exige.
“Os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) são claros: precisamos interromper o quanto antes a extração e o uso de combustíveis fósseis, implementando a descarbonização de nossas economias e sociedades. Também precisamos deter o desmatamento tropical e investir na restauração ecológica globalmente. O clima já mudou — e precisamos adaptar nossas cidades e áreas rurais ao novo contexto para minimizar os impactos sobre nossas populações. É hora de compromissos e ações concretas e ousadas — e a oportunidade representada pela COP30 não pode ser perdida“, finaliza o documento.
Realizado de segunda (20) a esta quarta (22) na sede do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas sobre a Amazônia), em Manaus, o evento “Um chamado científico para a COP30” reuniu autoridades, pesquisadores nacionais e internacionais e representantes de academias de ciências para discutir temas urgentes e propostas para a COP30. Participaram do evento Academias de Ciências de oito países amazônicos (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Guiana, Suriname e Venezuela), além de outros 16 das Américas (caso da Argentina, Chile, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Guatemala, Honduras, México, Panamá e Paraguai) e demais continentes (como China, Austrália, França, Japão, Portugal e Senegal). Foram chamados para o evento países com histórico de investimento em pesquisas na Amazônia ou contribuições ao fundo amazônico. Já a declaração teve endosso de mais Academias, somando 30 países até esta quarta (22).