Vale, Hydro e Belo Sun estão entre as empresas ‘denunciadas’ em tribunal simbólico em Belém (PA); indígenas, quilombolas e agricultores familiares dizem que a mineração está por trás de casos de contaminação dos rios, desmatamento, aumento da violência e doenças; empresas negam impactos
Por Isabel Harari
DE BELÉM (PA) — As mineradoras Vale, Hydro e Belo Sun e o estado do Pará foram simbolicamente “condenados” por violações aos direitos humanos e ao meio ambiente, em um ato realizado por movimentos sociais na última quinta-feira (13) em Belém (PA). O “Tribunal Popular” aconteceu durante a Cúpula dos Povos, evento paralelo à Cúpula do Clima das Nações Unidas, a COP30.
Cerca de 150 pessoas, entre indígenas, quilombolas e agricultores familiares, se reuniram em um auditório na Universidade Federal do Pará para denunciar a contaminação dos rios e o aumento do desmatamento, da violência e de problemas de saúde, que atribuem à atividade minerária.
“É um tribunal simbólico, mas que tem a força de ouvir as pessoas que são vítimas desse modelo de desenvolvimento”, explica João Gomes, da FASE (Solidariedade e Educação), uma das entidades que organizaram a atividade.
Representantes da sociedade civil fizeram o papel dos advogados de acusação e de defesa das mineradoras. Testemunhas foram ouvidas por um “júri” formado por sete integrantes de movimentos sociais.
“Julgo procedente a acusação para reconhecer a responsabilidade dos réus por crimes contra a Amazônia, o Brasil e seus povos. Que seus atos sejam considerados imorais e vergonhosos, pois suas ações e omissões foram determinantes para a destruição do clima”, declarou Jéssica Silva, advogada da SDDH (Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos), que presidiu o “júri” simbólico. O documento final do ato foi encaminhado à presidência da COP30 (leia na íntegra).
‘Zonas de sacrifício’ para mineração
Ao abrir o evento, João Gomes, da FASE, listou o nome das pessoas convidadas a relatarem os casos. São testemunhas da transformação de seus territórios em “zonas de sacrifício para a mineração”, declarou.
O primeiro a falar foi Jeovan Almeida, do território quilombola Jambuaçu, em Moju (PA). Ele afirmou que um igarapé teria sido contaminado e assoreado pela Hydro, mineradora norueguesa. Um mineroduto para transporte de bauxita atravessa o território e afeta as 15 comunidades quilombolas, segundo a testemunha. “Peixes morreram e as pessoas pararam de beber água”, disse Almeida.
Quatro pessoas que vivem em Barcarena também denunciaram impactos da Hydro e de outras empresas que fazem parte do pólo industrial do município. A gigante norueguesa opera a Alunorte, uma das maiores refinarias de alumina do mundo. “Somos contaminados pela poluição que vem pelo ar, pelo rio e pelo solo”, disse Carlos Augusto Góis Espíndula, do território indígena, quilombola e agroextrativista Tauá. Ele conta que a comunidade fica a 3 km de distância em linha reta de dois depósitos de resíduos sólidos.
Manuel Poxo Munduruku também falou sobre a contaminação da água. “É impossível tomar banho no rio, a água é da cor do barro”, disse o indígena da aldeia Piquiarana, no alto Tapajós.
Durante uma conferência na Blue Zone na manhã da última sexta-feira (14), Anderson Baranov, presidente da Hydro, disse que a mineradora procura ser um “bom vizinho”. “Sendo bom vizinho, você vai para o lado do diálogo, além da parte social, direitos humanos, todos esses investimentos. Esses investimentos não podem faltar, têm que ser bom para todos que estão no entorno, não pode ser só bom para a mineradora”, afirmou.
Procurada pela Repórter Brasil, a empresa negou que o mineroduto utilizado no transporte de bauxita provoque contaminação em igarapés, afirmando que o processo de beneficiamento “utiliza apenas água” e que a polpa enviada pelo duto “não contém produto químico”, sendo classificada como não perigosa. A empresa destacou que adota medidas de conservação ambiental ao longo dos 244 km do sistema e que realiza manutenção periódica focada em segurança, incluindo gestão da qualidade do ar, controle hídrico e manejo de resíduos.
Ainda segundo a nota, a empresa negou “veementemente” qualquer alegação de danos ambientais provenientes das operações da Alunorte, em Barcarena, e afirmou que não há comprovação técnica das acusações (leia a manifestação na íntegra).
Vale é criticada por impactos da Estrada de Ferro Carajás
A Vale também foi alvo de críticas. Antônia Flávia vive no assentamento Piquiá da Conquista, em Açailândia (MA), localizado na rota da Estrada de Ferro Carajás, que pertence à mineradora. “A poluição do ar é enorme, a saúde pública foi completamente devastada”, diz ela.
Em nota enviada à Repórter Brasil, a Vale afirmou ter repassado, juntamente com a Fundação Vale, R$ 45 milhões à construção do novo bairro, “entregue em outubro de 2024 às famílias que viviam no antigo bairro Piquiá de Baixo”.
A empresa disse também estar “comprometida em respeitar e promover os Direitos Humanos, prevenir riscos e potenciais impactos em todas as suas atividades e ao longo de sua cadeia de valor”. Afirmou, ainda, estar comprometida “com a integridade socioambiental” em suas operações, e que promove o diálogo com as
comunidades vizinhas às operações.
“Como parte de suas responsabilidades, tem implementado controles, monitoramentos e inspeções periódicas em suas operações e circunvizinhanças. Além disso, temos mantido uma comunicação constante com nossos parceiros comerciais para garantir a eficiência ambiental e a segurança no transporte de minério, estabelecendo premissas e diretrizes que visam minimizar os impactos ambientais”, escreveu a mineradora (leia a manifestação na íntegra).
Os impactos da mineradora canadense Belo Sun na Volta Grande do Xingu, em Altamira, também foram lembrados. “A Belo Sun está roubando terra de agricultores”, denunciou Luiz Claudio Teixeira, do Movimento Xingu Vivo Para Sempre.
A empresa conseguiu na Justiça do Pará uma ordem de reintegração de posse para expulsar trabalhadores sem terra acampados, desde 2022, em uma área reivindicada pela empresa. O despejo pode causar a remoção dos cerca de mil moradores de quatro comunidades locais, segundo a DPE-PA (Defensoria Pública do Estado do Pará), que acompanha o caso.
A Belo Sun também foi procurada, mas não respondeu até o momento. O espaço segue aberto a manifestações.
Manuel Poxo Munduruku também apontou omissão do estado do Pará diante da devastação provocada pela mineração e pelo garimpo ilegal de ouro e de outros minérios, como cassiterita. “Garimpo legalizado e ilegal não tem diferença. Estamos brigando por garimpo zero”.
O governo do Pará foi procurado pela reportagem nesta sexta, mas não respondeu até o momento. Indústria de alta tecnologia é citada em manifestação como argumento da mineração
Os papéis de “advogados de defesa” das empresas na manifestação foram desempenhados por Ibrahim Rocha, procurador do estado do Pará, e Nildo Deleon, advogado da SDDH.
Durante o julgamento simbólico, ambos tinham de questionar as testemunhas com argumentos que poderiam ser usados pelas empresas. “O senhor usa celular? Sabe que o celular é um produto da atividade minerária?”, exemplificou Deleon.
Esse é um discurso comum nos corredores da COP30. Na Blue Zone, área das negociações oficiais, o setor de mineração tem aproveitado para promover suas operações não só como “sustentáveis”, mas também como “essenciais” para a transição energética.
Isso porque os chamados “minerais críticos”, como lítio, terras raras e níquel, são a base de componentes como baterias e painéis solares, fundamentais para a transição energética por reduzirem a dependência de combustíveis fósseis.
O engenheiro chileno Lucio Cuenca Berger, diretor do OLCA (Observatorio Latinoamericano de Conflictos Ambientales), lembrou na quinta que, sob o pretexto da transição energética, as mineradoras e governos “estão incorporando políticas que aprofundam o modelo extrativista que já conhecemos”.
Há impactos que são a própria “essência” da mineração, ele disse, e “não há como mitigar ou prevenir”. “A mineração é uma espécie de amputação do planeta, da natureza. E por isso, não se trata de fazer ‘um pouquinho melhor’ ou de criar um selo de certificação. A escala em que a mineração acontece, os territórios que são afetados, a quantidade de água necessária e de substâncias químicas usadas são tão grandes que é muito
difícil mitigar seus impactos”, afirmou Cuenca, em resposta a uma pergunta da Repórter Brasil, durante conversa organizada pela Fundação Rosa Luxemburgo.
Para o advogado Marco Apolo, da SDDH, as empresas denunciadas no tribunal simbólico “contribuem para as mudanças do clima porque impactam territórios de indígenas, ribeirinhos e territórios quilombolas”. Ele ressaltou que a preservação dessas áreas é essencial para o enfrentamento à emergência climática.
Nota da redação: o texto foi corrigido para informar que a refinaria Alunorte, da Hydro, opera dois depósitos de resíduos sólidos na região de Barcarena (PA), e não barragens, como informava anteriormente a reportagem. A Alunorte é uma refinaria de alumina.
Esta reportagem foi produzida por Repórter Brasil, por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original no Link
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