Há poucos dias, uma pessoa morreu ao ser esmagada por uma passarela que desabou após o impacto de uma caçamba que circulava levantada
Depois de mais um acidente com vítima fatal envolvendo caminhão basculante no Brasil, a Federação Nacional da Inspeção Veicular (Fenive) cobra urgência das autoridades na aplicação imediata da Resolução 859/21 do Contran, que obriga a instalação do dispositivo de segurança nesse tipo de veículo. O objetivo é evitar a circulação desse tipo de caminhão com a caçamba levantada. Um dia antes do episódio, a diretoria da Fenive se reuniu com diversos órgãos executivos e de fiscalização na tentativa de destravar essa agenda.
O engenheiro mecânico Daniel Bassoli, diretor-executivo da Fenive, destaca que essa é uma pauta que se arrasta há anos. Mesmo com as cobranças da Federação, interferências políticas no Conselho Nacional de Trânsito (Contran) e na Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) vêm contribuindo para postergar o assunto. “Ignorar ou continuar adiando esse tema é dar espaço para tragédias evitáveis, como o registrado no Rio de Janeiro”, enfatiza.
No dia 19 de novembro, um caminhão que circulava com a caçamba erguida derrubou uma passarela na BR-116, na altura da cidade de Magé (RJ). A estrutura despencou sobre um carro que trafegava na pista contrária, matando na hora motorista José Antonio Leal da Mota Mendes, de 62 anos.
De acordo com Bassoli, essa é uma cobrança constante da Fenive à Senatran. Tanto que, no dia 18 de novembro, véspera do acidente no Rio de Janeiro, o diretor executivo e a assessora jurídica da Fenive, Fernanda Kruscinski, haviam participado de uma reunião com a Justiça do Pará para debater o assunto.
Além da Fenive, participaram da reunião integrantes do Ministério Público Federal (MPF), Advocacia Geral da União (AGU), Senatran, Departamento de Trânsito do Pará (Detran-PA) e Ministério Público Estadual do Pará. A pauta da reunião era justamente o retorno da vigência da Resolução 859/21 do Contran, que obriga o uso dos dispositivos de segurança em caminhões basculantes. “Essa resolução chegou a entrar em vigor em 2023, mas foi suspensa em seguida, sob a alegação das dificuldades territoriais para se fazer a inspeção veicular dos veículos naquele estado, o que é exigido pela lei. A resolução original, de 2015, já havia sido suspensa duas vezes, por alegações diversas. Enquanto as autoridades se omitem, pessoas morrem, pistas são bloqueadas e patrimônio é danificado”
Bassoli relembra que, na época da suspensão, chegou-se a montar um Grupo de Trabalho junto à Senatran para discutir como levar inspeção a áreas sem oferta. Foram apresentadas algumas soluções possíveis, como “inspeções volantes” (fora da base) e trilhas de auditoria, que incluiriam fotos e vídeos com georreferenciamento, biometria do responsável técnico e ensaios dinâmicos de freios, suspensão e direção. “O problema é que tudo isso ficou apenas no papel. Depois disso, poucas reuniões aconteceram e nenhuma resolutividade”, relata.
Da reunião com a Justiça do Pará, as autoridades exigiram que a Senatran apresentasse, até janeiro de 2026, um plano de execução para resolver o impasse sobre os caminhões basculantes. “Não há justificativa técnica para manter a suspensão da resolução. Cada dia parado expõe motoristas e usuários das rodovias”, afirma Bassoli.
DADOS E MONITORAMENTO
O especialista explica que um dos desafios para o setor é a falta de uma base de dados sólida. Os acidentes envolvendo caminhões basculantes entram nas estatísticas gerais das autoridades de trânsito, o que inviabiliza a construção de políticas públicas. Além disso, os dados da frota também estão desatualizados. Em 2023, foram emitidos 23.883 Certificados de Segurança Veicular (CSV) para veículos basculantes no País. Não há dado oficial da frota nacional de basculantes. Minas Gerais informa cerca de 53 mil veículos e no Mato Grosso, 6 mil. “Faltam números, sobram evidências de risco. Onde há fiscalização, aparecem reprovações por ausência do dispositivo e por falhas críticas de freios e suspensão”, aponta.
Tanto que os dados mais concretos são provenientes de um levantamento feito pela própria Fenive, em 2018, com caminhões basculantes que passaram por inspeção veicular para renovar o CSV. Ao longo de 12 meses, 3,4 mil veículos desse tipo foram analisados em organismos credenciados pelo INMETRO em todo o Brasil.
Na época, 58% dos caminhões basculantes analisados foram reprovados. Destes, 8% foram em decorrência de defeitos ou ausência no dispositivo de segurança. Também foram identificados problemas no sistema de freios, faróis, suspensão e outros itens que prejudicam a segurança veicular.
EXIGÊNCIA LEGAL
De acordo com a Resolução 859 do Contran, o dispositivo sonoro e visual de segurança deve ser adotado por todos os caminhões com carroceria basculante ou caminhões-trator que tracionam rebocados com carroceria basculante.
A legislação está exigindo a adaptação dos veículos antigos, uma vez que fabricados a partir deste ano já devem sair adequados de fábrica. Todo caminhão basculante deve contar com um sistema duplo de segurança – definidos na norma ABNT NBR 16141 –, que avisa ou evita que a caçamba seja levantada enquanto o veículo está em movimento.
Os veículos fabricados a partir de agosto de 2021 devem apresentar, na nota fiscal, que possuem o dispositivo de segurança de fabricante. O cronograma para o licenciamento será pelo final das placas – ímpares em 2023 e placas pares a partir de 2024. Já os veículos antigos e que ainda não foram regularizados precisam passar por inspeção para comprovação da inclusão do dispositivo sonoro de segurança. Só assim os donos dos caminhões poderão obter o CSV – certificado de segurança veicular – para comprovar a instalação do item de segurança.




