Mais de 60 mil alunos surdos estão na educação básica, mas falta formação docente para garantir inclusão real nas escolas brasileiras
Um gesto simples pode mudar tudo. Quando professores e colegas aprendem Libras, a Língua Brasileira de Sinais, a escola deixa de ser apenas um espaço de transmissão de conteúdos e passa a se tornar um lugar de afeto, identidade e pertencimento.
O Censo Escolar de 2023 aponta mais de 1,7 milhão de matrículas na educação especial, sendo 61.594 relacionadas à surdez na educação básica. Mas presença física não é sinônimo de inclusão. Um levantamento publicado na Revista Redalyc revelou que 86,2% dos professores que lecionam para alunos surdos nunca participaram de formação específica em Libras ou educação bilíngue. O resultado é um cotidiano em que estudantes compartilham o mesmo espaço, mas não as mesmas experiências.
Para Katelyn de Sousa Marquez, pedagoga e especialista em Libras e educação inclusiva, o impacto da língua de sinais vai além da comunicação. “Aprender Libras não é apenas adquirir um novo idioma. É abrir espaço para que o aluno surdo seja visto em sua identidade, não apenas em sua deficiência. Quando um professor ou um colega se comunica em Libras, a mensagem é clara: você faz parte, você pertence”, afirma.
A especialista destaca que esse pertencimento se reflete até em momentos simples do calendário escolar. Crianças surdas relataram que, no reencontro após as férias, a maior alegria não era o retorno às aulas em si, mas a possibilidade de se relacionar entre si e com os colegas, sentindo-se iguais. Esse processo só acontece quando a língua circula além da sala de recursos e passa a integrar a vida escolar como um todo.
O avanço, porém, ainda esbarra em barreiras estruturais. Faltam formações contínuas, materiais bilíngues e políticas públicas que garantam a Libras como segunda língua efetiva das escolas. Casos bem-sucedidos já mostram caminhos, como instituições que ampliaram a formação docente em Libras e conseguiram integrar alunos surdos em atividades coletivas, evitando a segregação.
“Quando um professor aprende Libras, ele muda sua forma de ensinar. Quando um colega aprende, muda sua forma de conviver. E quando a escola abraça essa cultura, ela deixa de ser um espaço de sobrevivência para o aluno surdo e se torna um espaço de vida. O desafio, portanto, não é apenas ensinar Libras, mas transformar a escola em um ambiente onde a diversidade seja regra e não exceção”, conclui Katelyn.
SOBRE
Katelyn de Sousa Marquez é pedagoga, especialista em Libras e educação inclusiva, com experiência no atendimento a crianças surdas e com múltiplas deficiências. Formada pelo Instituto de Educação e Ensino Superior de Samambaia e pós-graduada em Libras pela Faculdade de Tecnologia Ícone, atua desde 2019 na Secretaria de Educação do Distrito Federal, desenvolvendo práticas pedagógicas adaptadas que promovem acessibilidade e aprendizado inclusivo.