Aliados de Jair Bolsonaro (PL) pretendem contestar o fato de a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente, ter sido firmada com a Polícia Federal sem o aval do MPF (Ministério Público Federal).
Uma ala de assessores jurídicos do ex-presidente, que enfrenta diversos processos na Justiça, avalia que o tema é polêmico e que deve ser explorado no futuro como estratégia de defesa. Uma outra ala de advogados de Bolsonaro, que atua no caso ligado às joias, porém, diz reservadamente que é preciso ter acesso aos autos da delação premiada e que essa medida ainda não está na mesa.
A equipe de Bolsonaro não teve acesso ao depoimento dado por Cid à PF às vésperas da homologação do acordo pelo STF.
A segunda avaliação feita nos bastidores por este grupo de advogados é que o caso é contestável, mas que é preciso deixar a PGR (Procuradoria-Geral da República) e a PF brigarem em torno do assunto e, por ora, apenas observar.
Após a publicação da reportagem, Fábio Wajngarten, assessor e um dos advogados de Bolsonaro, afirmou nas redes sociais que “ninguém da defesa do presidente sequer conversou, cogitou ou aventou referido movimento”. A Folha de S.Paulo mantém as informações publicadas nesta reportagem.
O acordo de colaboração premiada do militar com a PF foi homologado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), no último sábado (9).
No mesmo dia, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou nas redes sociais que a PGR não aceita delações conduzidas pela PF. Ele ainda disse que a instituição adotou esse mesmo entendimento para as delações do ex-ministro Antonio Palocci e do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, respondeu horas depois também pelas redes sociais parabenizando a PF pela celebração do acordo. “A Polícia Federal atuou com seriedade, profissionalismo e pleno atendimento à Constituição, às leis e à jurisprudência do STF”, afirmou.
A delação é um meio de obtenção de prova, que não pode, isoladamente, fundamentar sentenças sem que outras informações corroborem as afirmações feitas. Os relatos devem ser investigados, assim como os materiais apresentados em acordo.
Como a premissa da delação é indicar outros possíveis envolvidos nos fatos apurados, a negociação de Cid tem gerado expectativa no meio político sobre eventuais depoimentos que atinjam Bolsonaro.
Pessoas próximas ao político, que está inelegível, afirmam que o acordo do ex-auxiliar tem potencial para comprometer a imagem do ex-presidente, temem eventuais implicações contra a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e se preocupam com o teor das revelações.
Embora o Supremo tenha decidido em 2018 que a PF pode firmar acordos de delação premiada sem o aval do MPF, o assunto é polêmico, na visão de advogados no entorno de Bolsonaro.
O argumento usado por eles é que cabe ao Ministério Público o domínio da ação penal, já que é a instituição quem denuncia ou não o investigado. Por isso, avalia uma pessoa do entorno do ex-presidente, só quem pode ditar o alcance do acordo de colaboração é quem acusa e, no caso, não seria a PF.
Essa deve ser uma das contestações apresentadas pela defesa de Bolsonaro depois que eles tomarem conhecimento do que Cid apresentou à PF.
Em 2018, o Supremo julgou ação movida pela PGR que pedia a declaração de inconstitucionalidade de dispositivos da lei que trata das delações, sancionada em 2013. Na ocasião, por 10 votos a 1, o tribunal rejeitou o pedido da PGR e entendeu que delegados de polícia podem firmar acordos de colaboração durante o inquérito policial.
Na ocasião, porém, dois ministros, Luiz Fux e Rosa Weber, entenderam que a PF só poderia realizar o acordo se o MPF concordasse. Já o ministro Edson Fachin votou para que a polícia não pudesse firmar delações premiadas.
Anos depois, em 2021, o Supremo analisou a validade da delação premiada do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, e por 7 votos a quatro, decidiu revogar a homologação da colaboração dele com a PF. Os ministros deram razão à Procuradoria-Geral, que apontou ausência de aval do Ministério Público.
O entendimento predominante na ocasião, reafirmado por Moraes, foi que a decisão valia para aquele caso concreto, por peculiaridades do acordo com Cabral.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, artigo publicado neste ano em revista acadêmica por Luísa Walter da Rosa, advogada e mestre em direito pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), indica outra discrepância no caso.
Em 2018, aponta ela, só dois ministros apontaram a necessidade de concordância do Ministério Público com o acordo firmado pela PF. Já em 2021, no caso de Cabral, sete votaram nesse sentido, ainda que parte deles entendesse que tal necessidade só valia para o caso concreto do ex-governador.
A decisão de homologação da delação por Moraes foi proferida no âmbito do inquérito das milícias digitais, que é a principal apuração no STF contra o ex-chefe do Executivo e mira, entre outros pontos, os ataques às instituições, a tentativa de golpe e o caso das joias. Ele tramita em sigilo.