O índice de mortes e acidentes com helicópteros no Brasil aumentou nos últimos anos, segundo dados do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), órgão ligado à Força Aérea Brasileira (FAB).
Essa taxa, chamada de fatalidade, atingiu o pico dos últimos dez anos em 2018 (114,3), caiu durante a pandemia e voltou a crescer em 2022, chegando a 87,5 em 2023, dado próximo ao de 2019. O índice é calculado a partir da quantidade de acidentes e de mortes envolvendo as aeronaves.
A concentração das causas de acidente em falhas humanas aponta para a necessidade da qualificação constante de pilotos para operação e decisões em situações de risco. Fundamental, o aprimoramento pode ser obrigatório em alguns ramos de aviação, mas precisa ser iniciativa do próprio profissional, dizem especialistas ouvidos pela reportagem.
Além disso, os problemas aumentam durante o verão, estação com mais chuva e nebulosidade, e em regiões como a Serra do Mar, que abrange São Paulo, entre outros estados. Foi na parte paulista, em Paraibuna, que caiu um helicóptero que decolou no dia 31 de dezembro do Campo de Marte, na capital, com destino a Ilhabela, no litoral norte, matando o piloto e três passageiros.
São Paulo, que tem a maior frota aérea do país, com 5.600 das 21,1 mil aeronaves, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), concentra 35 dos 168 registros de acidentes com helicópteros dos últimos dez anos, de 2014 a 2023. Os fatores que contribuem para a ocorrência de acidentes, segundo o Cenipa, são o julgamento de pilotagem, a aplicação de comandos e o processo decisório.
De acordo com o especialista em meteorologia aeronáutica Marcelo Romão, o cuidado precisa ser redobrado durante o verão, especialmente na Serra do Mar. Isso porque a região é marcada pela formação de nuvens orográficas -cuja presença e forma são determinadas pelo relevo do terreno- nas encostas da serra voltadas para o mar.
“Há uma capacidade de desenvolvimento muito rápido. O helicóptero pode decolar de São Paulo com tempo muito bom e ser pego de surpresa”, diz.
No caso do acidente de São Paulo, o piloto relatou dificuldades com a neblina. Naquele dia, segundo Romão, o topo das nuvens sobre a região estava a 1.500 metros, mas elas podem se desenvolver até alturas de oito quilômetros.
“É quando se formam as cumulonimbus, que causam trovoadas orográficas”, afirma o especialista. Segundo ele, essas nuvens podem gerar granizo, turbulência e fortes rajadas de vento, outro risco para pilotos, especialmente de pequenas aeronaves.
No caso do helicóptero que caiu, a nebulosidade não era cumulonimbus, mas uma nebulosidade pós-frontal, depois da passagem de uma frente fria. “A nuvem fica encravada na montanha.”
Enfrentar situações de estresse e risco, para o comandante Caio Brum, piloto há 12 anos, foi fundamental para construir na prática o que a formação não poderia oferecer. “Treinamos para várias emergências relacionadas aos helicópteros. São manobras para perda do motor, por exemplo, e você aprende a reagir.”
Mas a parte psicológica, além da experiência em horas de voo, ele diz ter adquirido com o treinamento em simuladores, que geram situações de risco e estresse. “Faço há nove anos, duas vezes por ano. No simulador, sim, você consegue treinar tudo isso.”
Hoje, Brum trabalha no setor de empresas offshore, como petroleiras, que exigem treinamento constante e têm uma estrutura mais robusta, inclusive financeira. O comandante opina, porém, que não é preciso esperar a obrigatoriedade.
“Na maioria das vezes, [o acidente] tem pouca relação com a quantidade de horas de voo, e mais com a entrada numa situação ruim, uma -forçada de barra-, que é entrar numa nuvem, achar que dá. Hoje não faltam recursos para que os pilotos saibam como acontecem os acidentes e como evitá-los.”
Ele reconhece, contudo, que os custos podem ser vistos como barreira para empresas menores de táxi aéreo, que operam em distâncias reduzidas e em condições geralmente mais favoráveis.
Para Alexandre Faro Kaperaviczus, coordenador do curso de Aviação Civil da Universidade Anhembi-Morumbi, o investimento em qualificação, incluindo os simuladores, precisa ser considerado por qualquer empresa. “Tudo que se gasta em treinamento é infinitamente mais barato do que qualquer tipo de acidente”, afirma.
O processo para operar táxi aéreo não é automático, explica o professor, e exige mais experiência após a formação do piloto privado, primeira categoria. A partir daí, o profissional precisa de 110 horas de voo para se tornar piloto comercial de helicóptero e ter a permissão para operar o serviço de táxi aéreo.
O processo também exige um curso diferente para cada aeronave pilotada e uma prova da Anac. “A Anac faz um trabalho muito bom, não só de normas, mas de fiscalização. Diria que estamos muito bem preparados”, afirma Kaperaviczus. (LUCAS LACERDA/Folhapress)
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