O fotógrafo Araquém Alcântara comemora, aos 74 anos, cinco décadas de trajetória, com o lançamento de um livro seminal que, segundo o curador Eder Chiodetto, pontua imagens de flagrante beleza do povo brasileiro, o desmatamento das florestas e os efeitos das mudanças climáticas nos biomas nacionais.
Reunindo 220 imagens em mais de 500 páginas, o volume sintetiza um percurso que começou em Santos, no litoral paulista, nos anos 1970, e atravessa florestas, rios e serras, em um projeto de vida dedicado à documentação e à defesa da natureza brasileira.
Primeiro fotógrafo a registrar todos os parques nacionais do Brasil, Araquém construiu um acervo com cerca de 500 mil imagens, que forma hoje um dos mais importantes patrimônios visuais da biodiversidade do país, desvendando a Mata Atlântica, o Cerrado, a Caatinga, o Pantanal, os Pampas, a Amazônia e seus povos.
Com 62 livros autorais, 75 exposições individuais, mais de 40 prêmios nacionais e internacionais, obras nos acervos do Masp, Pinacoteca de São Paulo, MAM-SP, Centro Georges Pompidou e Museu Britânico, o inquieto artista consolidou a dimensão ética e estética rara de seu trabalho — um manifesto pela vida, que se mantém pulsante e necessário.
“O verdadeiro fotógrafo deve escolher o caminho com o coração e nele viajar incansavelmente”,
escreveu Araquém em um de seus textos. E viajou muito, literalmente: “Só na Amazônia, estive
mais de 100 vezes, desde 1971.” Todo esse movimento se tornou o eixo espiritual de sua produção,
marcada pela devoção à luz, à paisagem e à consciência.
Da epifania à insurgência: as origens de um olhar
O livro revisita as primeiras imagens feitas no cais de Santos, onde prostitutas, marinheiros e estivadores inauguraram o universo do fotógrafo, e avança até as fotos mais recentes das queimadas na Amazônia e no Pantanal. Entre esses extremos, destaca-se a fotografia que se tornaria um ícone — a foto de capa feita em 1980, retratando seu pai, Manoel Alcântara, em protesto contra a instalação de usinas nucleares na Juréia.
A imagem — hoje símbolo da crítica à política energética e à destruição ambiental — marca o início da fase autoral de Araquém, que revela sua vocação para a fotografia como ato de combate e gesto poético.
A cena, descrita por Chiodetto como “um instante de epifania e insurgência”, foi o ponto de inflexão que transformou o repórter em um “andarilho da luz”. “Ali se consolidou o caminho a ser seguido — investir toda sua energia de artista em nome de uma causa que, mesmo quando parece fadada ao fracasso, segue ecoando nas elipses do tempo”, escreve o curador.
A obra-manifesto
“Entre epifanias e apocalipses”, como resume um dos textos críticos, o livro revela a grande travessia de Araquém — 50 anos de fotografia para iluminar os 500 anos da terra chamada Brasil. São imagens que registram a beleza da flora e fauna e também a miséria, o terror causado pela poluição em Cubatão, a devastação das matas e dos biomas.
Fotografias que impõem a reflexão: “Sou um artista de combate, cúmplice dos injustiçados. Minhas fotos são um canto de amor à natureza e ao povo brasileiro”, escreve Araquém.
Adolescente nos final dos anos 1960, quando leu Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, Araquém gravou na memória um dos trechos, que norteou seu foco: “Como é que posso com este mundo? A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo no meio do fel do desespero.” O escritor forjou o percurso do fotógrafo, que transformou sua câmera em instrumento de resistência.
Serviço:
Lançamento livro
“Araquém Alcântara: 50 anos de fotografia”
508 páginas – Português/Inglês
Editora Terra Brasil
Evento: 03/12, 18h00
Local: By Kamy – Al. Gabriel Monteiro da Silva, 1147 – Pinheiros – São Paulo/SP
O Ministério da Cultura apresenta o projeto, realizado através da Lei Rouanet, com patrocínio do Itaú, Suzano, Interfusão, Bandeirantes Logística e Deicmar.




