Um relatório da CGU (Controladoria-Geral da União) constatou que principalmente durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) a verba para obras de acesso à água não chegou nas cidades que mais precisam.
O documento apontou uma série de falhas no processo de escolha dos municípios e de destinação do dinheiro para projetos hídricos.
A auditoria concluiu que houve uma “aprovação de forma generalizada de propostas sem documentos mínimos de planejamento e sem métricas e indicadores para aferição dos resultados”.
Os contratos alvo da CGU foram assinados entre o então Ministério do Desenvolvimento Regional da gestão Bolsonaro -hoje a pasta da Integração- e as prefeituras, que ficavam responsáveis pela licitação e execução das demais etapas do processo. O dinheiro para esses projetos hídricos foi bancado por emendas parlamentares ou por recursos da própria pasta.
Segundo a CGU, alguns convênios com prefeituras foram aprovados sem que houvesse um diagnóstico da situação atual, como quantidade de domicílios sem acesso a água encanada, déficit total na demanda de água, áreas efetivamente afetadas nas últimas cheias e oferta mínima de água nos períodos de estiagem.
“Essa etapa é crucial para a correta identificação do problema e para possibilitar que se eleja a solução mais adequada”, afirma o relatório. “A ausência dessas informações impossibilita que o ministério categorize as propostas recebidas de acordo com as reais necessidades dos proponentes [municípios].”
A Folha de S.Paulo tem mostrado na série de reportagens Política da Seca que as emendas parlamentares e o loteamento de órgãos federais que cuidam do acesso à água criaram abismos no semiárido brasileiro, com regiões inteiras abandonadas pelas políticas públicas.
Para conseguir uma base estável no Congresso Nacional, Bolsonaro entregou bilhões de reais do Orçamento para que a cúpula da Câmara e do Senado usassem como emendas. Isso gerou distorções e privilegiou bases eleitorais de deputados e senadores mais alinhados ao governo e os cardeais do Legislativo na hora da distribuição do dinheiro para obras de infraestrutura, investimentos e financiamento da saúde.
Na auditoria, a CGU analisou 29 contratos, que incluem barragens, adutoras e reservatórios, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. Eles somam quase R$ 441 milhões e foram assinados entre 2018 e 2022.
Mas apenas seis convênios foram para obras em municípios com situação hídrica mais crítica, o que era um critério estabelecido pelo próprio ministério. Para esse critério, eram utilizados índices de segurança hídrica da ANA (Agência Nacional de Águas). O relatório não detalha quais cidades se encaixam ou não nos requisitos.
Procurado, o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, nome dado à pasta no governo Lula (PT), não respondeu aos questionamentos feitos pela Folha de S.Paulo.
O ministério enviou informações à CGU. Segundo a pasta, informações mais detalhadas, como a situação hídrica das localidades, foram apresentadas pelos municípios no projeto básico. Mas, segundo a auditoria da Controladoria, esses dados em alguns casos só foram analisados após a pasta do Desenvolvimento Regional dar aval ao contrato.
Sobre a seleção dos municípios, as respostas fornecidas pela Integração se resumem a citação de atos internos com critérios de escolha das cidades. Na avaliação de auditores, isso apenas corroborou as evidências de que a definição não faz parte das tarefas do Departamento de Obras Hídricas e Apoio a Estudos sobre Segurança Hídrica do Ministério da Integração.
A auditoria também mostrou que a maioria dos convênios assinados com prefeituras não está andando. Para o município receber o dinheiro, é preciso avançar no processo de execução da obra ou mesmo realizar uma licitação. Em alguns casos, não houve sequer empresa interessada na concorrência.
Na avaliação de técnicos da CGU, isso é reflexo da falta de estudos feitos antes da assinatura dos contratos com o ministério, o que pode gerar orçamentos defasados e atrasados. Enquanto isso, o dinheiro do caixa federal fica parado à espera do município conseguir destravar a obra.
O relatório pondera que a pandemia de Covid-19 pode ter influenciado o atraso na execução dos projetos, mas ressalta que os contratos de 2021 e 2022 seguem 100% parados.