Em meio a idas e vindas ao hospital, procedimentos e internações, Henrique, de 14 anos, agora é o próximo da lista de transplantes compatíveis com seu perfil
No Brasil, até dezembro de 2025, 448 pessoas esperam por um transplante de coração, sendo que 12 são meninos entre 11 e 17 anos, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Um deles é Henrique Nordi, de 14 anos, morador de São José dos Pinhais (PR). Com uma rotina de constantes internações, sua luta começou ainda durante a gestação, quando seus pais receberam o diagnóstico de que havia uma cardiopatia congênita complexa (atresia tricúspide). A primeira cirurgia, uma bandagem pulmonar, foi aos 13 dias de vida; e a segunda, Glenn bidirecional, realizada aos quatro meses. Desde então, o adolescente já realizou diversos procedimentos e, hoje, espera o tão sonhado telefonema para a realização do transplante.
Mais de 47 mil pessoas também esperam a mesma ligação, sendo que o órgão mais aguardado é o rim, seguido de fígado e coração. Apesar da quantidade de casos na lista, a ordem dos transplantes segue critérios específicos: peso, altura, idade e compatibilidade genética. Hoje, Henrique é o próximo candidato em sua categoria, mas o caminho até o transplante é repleto de desafios.
“Após a segunda cirurgia, o corpo não se adaptou ao procedimento”, relata Anne Nordi, mãe de Henrique. Henrique desenvolveu quilotórax — acúmulo de linfa nos pulmões. Foram necessárias diversas internações para drenagem, duas cirurgias para reparar a obstrução de ductos linfáticos e até a colocação de talco no pulmão. A complicação desencadeou uma cascata de procedimentos em tentativa de estabilizá-lo. Ela explica que, após seis meses de internação e até episódios de pneumonia, o jovem retornou para casa com cuidados home care, até ter uma parada cardiorrespiratória, o que o levou novamente ao hospital.
Em janeiro de 2013, chegou o ponto de virada, a cirurgia que levaria Henrique até este momento. “Difícil descrever a sensação de coração apertado nessas horas de extrema ansiedade”, relembra Anne. “Mas havia prometido a mim mesma: não levaria tristeza para meu filho.” A cirurgia Glenn foi desfeita e um shunt central — uma conexão artificial entre aorta e artéria pulmonar, o “caninho” como a família o chama — foi implantado, permitindo que o sangue chegasse aos pulmões. Desde então, Henrique permanece hemodinamicamente estável. “Quero agradecer aos cirurgiões, médicos, equipe de enfermagem e, especialmente, ao Dr. Nelson. Aplausos àqueles que ajudaram a salvar a vida do meu menininho Henrique”, complementa Anne.
Infância marcada por desafios e adaptação
Apesar de Henrique levar uma vida tranquila com seus dois irmãos e a família, o jovem teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC) ainda bebê, durante uma internação. A mãe foi a primeira a perceber os sinais: o filho não a via e nem a escutava. Em duas semanas, a visão e a audição retornaram, mas algumas lesões cerebrais persistem. “Começamos a perceber que na escola ele já não acompanhava direito. Ele ama socializar e ama os amigos, mas detesta fazer tarefas. A parceria com a escola demorou para acontecer, principalmente para entenderem a situação dele e serem inclusivos”, conta Anne.
Hoje, a comunicação entre escola e família é boa, facilitada pela experiência dos pais com o Arthur, o filho mais velho do casal, que é cadeirante e portador de paralisia cerebral. “O Henrique tem um agente operacional que cuida dele fora da sala de aula e tem a professora auxiliar que fica dentro da sala ajudando nas tarefas”, explica Anne. Apesar da vida relativamente normal, há momentos em que o jovem não vai à escola, principalmente no inverno, quando a saturação de oxigênio é ainda mais baixa.
Atividades que exigem esforço físico não podem ser realizadas. Mas os sonhos de Henrique permanecem intactos. “Eu tenho um canal no YouTube e gosto de brincar de futebol de botão, trenzinho e, futuramente, vou jogar bola e andar de bicicleta”, conta Henrique.
“E quando diz, não promete. Sabe. Porque ele aprendeu algo que adultos levam a vida toda para entender: estar vivo hoje é suficiente para sonhar com amanhã”, complementa Anne. Os pais, por sua vez, apoiam o adolescente na paixão por trens e fazem uma escolha silenciosa. “Deixam a complexidade médica para os médicos. E abraçam o que conhecem: ser pai. Ser mãe. Alimentar. Vigiar. Permanecer”, afirma a mãe.
Quando o transplante se tornou opção
A complexidade do caso levou os médicos a oferecerem duas escolhas: transplante ou novos procedimentos, como substituição do shunt central. Os riscos eram os mesmos. Após conversar com a equipe cirúrgica, a decisão estava tomada: Henrique entraria para a lista de espera.
“O ‘não’ a gente já tem”, diz Anne, resumindo a lógica que abraçou a esperança. “O transplante é uma chance de termos um ‘sim’. Pode não dar certo, mas prefiro saber que tentamos sem desistir. E estamos esperançosos pelo sim”.
Quando entrou na lista de espera, Henrique poderia receber um coração de doador com até 70 kg. Conforme cresceu, as especificações se expandiram: hoje, é de um doador com até 40 anos e 75 kg. “No início, a realidade não havia nos atingido completamente”, explica Clayton Ribeiro, pai do Henrique. “Como ele ainda não era o próximo candidato, conseguimos manter certa calma. Mas agora chegou a vez dele — e a ansiedade é outra”. A espera deixou de ser abstrata. Tornou-se presente”, comenta.
Na última consulta, em setembro, Anne observou que Henrique era a única criança ainda não transplantada. Conversando com outras mães, aprendeu detalhes importantes sobre o processo — especialmente o protocolo quando o hospital telefonava. “Imaginávamos que teríamos de correr imediatamente para o hospital, mas descobrimos que frequentemente é apenas no dia seguinte. Com essa informação, consegui manter a calma e deixar Henrique tranquilo. Ele poderá escolher qual camiseta levar, que brinquedos trazer e planejamos onde o nosso cachorro ficará. A espera virou preparação”, relata.
Faça parte da campanha Transforme-se
O relato de Henrique faz parte da campanha Transforme-se, que posiciona a doação de órgãos como oportunidade real de recomeço — para pacientes, famílias e ciclos sociais. Cada doação pode salvar até oito vidas. Conheça a história completa de Henrique aqui.




