Em mês dedicado à conscientização sobre o câncer de mama, estudo reforça que preservar a fertilidade é um gesto de autonomia feminina
Outubro é o mês de lembrar que o diagnóstico de câncer de mama — o tipo mais comum entre as mulheres no Brasil — não precisa significar o fim dos sonhos. Mesmo com o avanço das terapias e o aumento das taxas de cura e sobrevida, os efeitos colaterais do tratamento ainda ameaçam um dos desejos mais profundos de muitas mulheres: o de gerar um filho. Pesquisa de Medicina do Centro Universitário de Brasília (CEUB) traz uma boa notícia: o congelamento de óvulos é uma alternativa possível, segura e eficaz para pacientes com câncer de mama que desejam preservar a fertilidade.
Embora a taxa de sobrevida em cinco anos já alcance 74%, desigualdades no acesso ao diagnóstico precoce e ao tratamento ainda impactam os resultados, principalmente em regiões com menor estrutura hospitalar. Diante desse cenário, a pesquisa do CEUB representa um passo importante ao reunir evidências sobre a chamada oncofertilidade — área que integra oncologia e reprodução assistida.
A revisão sistemática conduzida pelas estudantes Luana Rafael e Isabela Pedersoli demonstrou que mulheres com câncer de mama obtêm resultados reprodutivos semelhantes aos de mulheres saudáveis quando submetidas a protocolos de estimulação hormonal ajustados com medicamentos de proteção mamária. Os resultados reforçam que preservar a fertilidade é possível, seguro e deve ser reconhecido como um direito reprodutivo.
“O que mais nos chamou a atenção foi a consistência dos resultados: tanto o total de óvulos quanto os maduros recuperados são comparáveis entre pacientes oncológicas e mulheres saudáveis. Isso traz segurança ao aconselhamento médico e esperança para quem sonha em ser mãe”, destaca Luana Rafael, autora da pesquisa e aluna do 9º semestre de Medicina.
A pesquisa pode subsidiar políticas públicas que garantam o acesso à criopreservação antes do início do tratamento oncológico, reduzindo desigualdades e ampliando a dignidade das mulheres em idade fértil. “O impacto é duplo: fortalece o direito das pacientes e organiza a base científica para que novos avanços sejam possíveis”, afirma Isabela. “O estudo mostra que a maternidade após o câncer é uma possibilidade real. Preservar a fertilidade deve ser entendido como parte do direito à vida plena”, concluem as pesquisadoras.
O orientador da pesquisa e professor do CEUB, Bruno Ramalho, ressalta que ainda há desafios a vencer: “Precisamos confirmar, cada vez mais, a segurança oncológica da estimulação ovariana e também da gravidez após a remissão da doença. Apesar das evidências positivas, o receio de interferir no prognóstico ainda limita o encaminhamento das pacientes para a reprodução assistida”.
Desafios e próximos passos
Apesar do potencial, persistem barreiras como o tempo curto entre o diagnóstico e o início da quimioterapia, os custos elevados e o medo de comprometer o tratamento. Para as autoras, o estudo oferece base científica para incluir a orientação em oncofertilidade na jornada de cuidado das pacientes e justificar linhas de financiamento específicas.
Segundo Ramalho, já existem serviços de oncologia no Brasil e no mundo sensíveis ao tema e que incorporam a orientação sobre fertilidade em seus protocolos de atendimento. “Essa orientação precisa ocorrer o mais cedo possível, para que haja tempo hábil para a coleta de óvulos sem prejudicar o tratamento oncológico”, completa o docente do CEUB.
Metodologia
A pesquisa seguiu as diretrizes internacionais PRISMA 2020, revisando 64 publicações científicas. Após a aplicação de critérios rigorosos, 18 estudos foram incluídos na análise final, avaliando o número e a maturidade dos óvulos, as taxas de fertilização, gravidez e nascimento de bebês vivos. “Embora o congelamento de óvulos já seja a técnica de escolha para preservação da fertilidade, ainda é uma prática recente nas clínicas. Nosso estudo organiza evidências e ajuda médicos e pacientes a tomarem decisões mais seguras”, finaliza Isabela Pedersoli.