Imagine a situação: depois de dedicar horas e horas a um jogo eletrônico, você finalmente conquista um item raro e valioso, mas sua conta é hackeada e você perde não apenas a conquista recente, mas tudo o que foi alcançado ao longo do game. Essa situação é apenas uma das muitas áreas em que o chamado “Direito Gamer” pode ser aplicado.
Segundo a advogada Moniche de Sousa, o “Direito Gamer” pode ser explicado como um conjunto de normas que protegem e regulamentam as atividades relacionadas ao mundo dos jogos eletrônicos. “Isso inclui a proteção dos direitos dos jogadores, desenvolvedores, streamers e organizações de eSports. Envolve questões como a propriedade de jogos digitais, direitos autorais, privacidade dos dados dos jogadores, contratos de trabalho e de patrocínio, regulamentação de competições de eSports, e muito mais”, explica.
Proteção dos jogadores no ‘Direito Gamer’
Num país em que os jogos eletrônicos são uma forma de entretenimento extremamente popular – conforme a Pesquisa Game Brasil 2024, 73,9% das pessoas têm o hábito de jogar videogames – trazer respaldo para as diferentes atividades relacionadas aos jogos é cada vez mais importante. É isso o que observa a belo-horizontina Luana Mendes. Advogada e gamer, ela explica que a atuação nesse campo envolve direitos que já são intrínsecos aos jogadores, mas que muitas vezes não são resguardados ou discutidos dentro do campo judiciário.
É por isso que, mesmo que não exista um código de conduta especificamente voltado para os games, as leis já existentes passam a ser aplicadas nos contextos relacionados aos jogos. “Todas as relações que existem entre as desenvolvedoras e os jogadores são relações de consumo,então, a partir do momento em que alguém acessa um jogo, mesmo que gratuito, ele está usufruindo de um produto ou serviço desenvolvido por uma empresa ou publicadora e, diante disso, o jogador passa a ser um consumidor e, para isso, utilizamos o Código de Defesa do Consumidor”, exemplifica.
Contratos de trabalho e outras demandas dos eSports
Casos que envolvem atletas de eSports, por outro lado, podem incluir desde leis trabalhistas relacionadas aos atletas – como a Lei Pelé – até questões de direito internacional, já que times brasileiros podem acabar contratando atletas estrangeiros ou mesmo jogadores brasileiros podem competir por equipes sediadas no exterior.
Situações em que um jogador é banido injustamente de algum jogo também podem ser revertidas com a ajuda de advogados. “Os jogos criam mecanismos para coibir os cheats (ou trapaças) através de verificadores para identificar se existe alguma irregularidade, mas nem sempre a apuração é feita de forma correta, existem falsos positivos e os relatos são inúmeros. Nesses casos, o meu papel é comunicar a empresa, seja por via judicial, seja por via extrajudicial, e pedir que a penalidade seja revertida”, explica Luana Mendes. “Às vezes acontece de forma extrajudicial, através do contato com suporte ao consumidor, mas se a gente verifica que o jogo não tem essa comunicação, ele já está ferindo o código do consumidor. Obrigatoriamente, os jogos precisam ter essa comunicação viável”, acrescenta.
Lei precisa de atualização
A legislação atual, porém, nem sempre atende todos os casos necessários. É isso o que pontua Moniche de Sousa. “A questão da propriedade digital é uma área cinzenta, onde muitas vezes o jogador não tem direitos sobre os jogos que compra, apenas uma licença de uso. Além disso, a regulamentação de contratos de trabalho para jogadores de eSports ainda é insuficiente, deixando muitos profissionais desprotegidos. Outro exemplo é a falta de clareza sobre os direitos de transmissão de competições de eSports, que pode levar a conflitos entre organizadores, jogadores e plataformas de streaming”, enumera.
Diante de cenários como esses, a advogada ressalta a necessidade de atualização e até mesmo criação de leis que se adequem ao universo dos jogos eletrônicos. “A criação de um conjunto específico de leis para o setor é essencial para acompanhar o crescimento e a complexidade desse mercado. Isso ajudaria a proteger os direitos dos jogadores, garantir condições justas de trabalho para os profissionais da área e proporcionar segurança jurídica para desenvolvedores e empresas. Além disso, regulamentações claras podem atrair mais investimentos e fomentar ainda mais o crescimento do setor no Brasil”, afirma.
O Tempo