Vivemos tempos em que a solidariedade humana precisa ser evocada como um princípio vital. Não apenas como um valor abstrato, mas como um gesto concreto que salva vidas. É o caso da doação de sangue — ato silencioso, quase anônimo, e no entanto decisivo para o pleno funcionamento de uma sociedade que preza pela dignidade e pelo cuidado com o outro.
No Amazonas, a Fundação Hospitalar de Hematologia e Hemoterapia (Hemoam) lançou um chamado urgente. Durante o feriado prolongado de Tiradentes, houve uma queda significativa nas doações — apenas 249 bolsas foram coletadas, o que representa apenas metade da meta diária. E já se aproxima outro feriado, o Dia do Trabalhador, aumentando os riscos de um colapso nos estoques. Sem sangue, interrompe-se um elo essencial entre a vida e a morte: as transfusões em casos de acidentes, as cirurgias de urgência, o tratamento de doenças crônicas e oncológicas.
A escassez de doações não se explica apenas por desatenção ou desinteresse. Há um pano de fundo mais profundo: vivemos sob o impacto de surtos de doenças infecciosas e respiratórias que tornam uma parcela significativa da população temporariamente inelegível para doar. A coletividade sofre, e o próprio vetor da vida — o sangue — escasseia, nos expondo a um novo tipo de vulnerabilidade social.
Nesse cenário, gestos solidários ganham dimensão simbólica e prática. É o caso da mobilização promovida por Etelvina Andrade, chefe do Serviço Social do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas. De um universo de 89 colaboradores cadastrados, 62 compareceram ao hemocentro e realizaram suas doações. Essa taxa de engajamento é mais do que estatística: é a tradução de um espírito público ativo, empático e fraterno. Etelvina tornou-se eloquente representante de uma cidadania que se enraíza no bem comum, de forma silenciosa e transformadora.
Em nome de cada paciente que será salvo por essas 62 bolsas de sangue, agradeço. Em nome das futuras mães, dos idosos fragilizados, das crianças em tratamento, dos acidentados à espera de cirurgia, agradeço. Em nome de toda a sociedade que resiste, agradeço.
O sangue, mais do que metáfora, é substância. Ele corre nas veias da vida coletiva e exige de nós a consciência de que a saúde pública é um sistema interdependente. Ninguém está totalmente seguro se o outro está em risco. Doar sangue, portanto, é mais do que um gesto de generosidade: é uma afirmação de pertencimento à humanidade.
Que o exemplo de Etelvina inspire empresas, instituições, escolas e comunidades. Que cada bolsa de sangue seja lida como uma carta de amor à vida. Que, em tempos de escassez, sejamos mais abundantes em gestos de solidariedade.
Porque doar sangue é dar o que temos de mais essencial: o próprio fluxo da vida.