Pesquisa nacional revela como brasileiros percebem mudanças na infância, excesso de brinquedos e barreiras culturais no brincar
A infância brasileira está cada vez mais associada às telas. Pesquisa nacional realizada pelo Instituto Locomotiva em parceria com a QuestionPro revela que 88% dos brasileiros acreditam que as crianças de hoje não querem mais brincar na rua, preferindo ficar no celular ou diante da televisão. Esse índice representa 143 milhões de pessoas e e revela a percepção de que a forma de brincar passou por uma profunda transformação, marcada pelo afastamento das ruas e pela centralidade das telas no cotidiano infantil.
O estudo mostra que o olhar crítico dos brasileiros não se limita ao tempo de tela. Para 81% da população, as crianças de hoje só se divertem com brinquedos comprados, ao contrário das gerações passadas, que improvisavam brincadeiras até com pedaços de papelão. Essa percepção é compartilhada entre todas as gerações, mas aparece com mais força entre os Baby Boomers (88%) e é menos presente entre os jovens da Geração Z (74%).
Além disso, 75% acreditam que as crianças de hoje possuem muito mais brinquedos do que as de antigamente. Em contrapartida, a ideia de que brincar ao ar livre é mais saudável continua forte. Cerca de 77% dos brasileiros afirmam que é melhor para a criança brincar na rua do que ficar diante das telas. Entre a Geração Z, esse percentual chega a 82%, o que chama a atenção por se tratar da geração mais conectada e que já cresceu entre as telas, mas ainda assim reconhece a importância de outros espaços para a infância.
Para Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, os números apontam para um dilema contemporâneo. “A infância brasileira vive um paradoxo. Nunca tivemos tantas opções de brinquedos e recursos tecnológicos, mas ao mesmo tempo cresce a sensação de que o brincar perdeu espaço. O que está em jogo não é apenas como as crianças se divertem hoje, mas quais memórias e vínculos elas vão carregar para o futuro”, avalia.
A pesquisa também aborda percepções culturais em torno do brincar. A maioria dos brasileiros (64%) acredita que não existe “brincadeira de menino ou de menina” e que cada criança deve escolher do que brincar. Essa visão é mais comum entre as mulheres (71%) e entre os jovens da Geração Z (70%), sugerindo maior abertura entre grupos historicamente ligados ao cuidado e entre as novas gerações. Por outro lado, um terço da população (32%) ainda mantém uma visão tradicional, considerando errado que meninos brinquem de boneca ou meninas de carrinho. Essa percepção aparece de forma mais intensa entre os homens (40%), enquanto entre as mulheres cai para 24%.
Segundo Renato Meirelles, esse dado também revela desafios importantes. “O brincar é uma das primeiras experiências de liberdade na vida de uma criança. Quando permitimos que ele seja guiado por estereótipos de gênero, restringimos não só a brincadeira, mas também a forma como meninos e meninas vão se relacionar com o mundo.”
O levantamento foi realizado de 9 a 11 de setembro de 2025, por meio de entrevistas digitais de autopreenchimento. Ao todo, foram 1.500 entrevistas representativas da população brasileira com 18 anos ou mais, ponderadas por gênero, faixa etária, escolaridade, classe social e região, conforme parâmetros da PNAD Anual (2024/IBGE). A margem de erro é de 2,5 pontos percentuais