A saúde bucal dos brasileiros melhorou na última década, mas a maioria das crianças e adolescentes tem dentes cariados, e grande parte dos adultos e os idosos precisa de próteses dentárias e de atendimentos odontológicos.
O cenário aparece em dados preliminares da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal, que vem sendo realizada pelo Ministério da Saúde em parceria com a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). A coleta de informações terminaria no último dia 30, mas foi prorrogada até 14 de agosto.
O estudo envolve entrevistas e exames bucais na população de 422 cidades brasileiras, incluindo as 27 capitais e 395 cidades do interior. Estão sendo examinados e entrevistados em suas casas, de forma aleatória, pessoas das seguintes faixas etárias: 5 anos, 12 anos, de 15 a 19 anos, de 35 a 44 anos e de 65 a 74 anos.
Entre as crianças e adolescentes, o principal problema identificado são as cáries. Aos 5 anos, metade (50,2%) delas está com dentes cariados. Aos 12, a proporção é parecida (50,8%). Dos 15 aos 19 anos, 67% têm cáries. O cenário é ruim, mas já esteve pior. Em 2010, a proporção era de 76% nesse último grupo.
Na faixa etária entre 35 e 44 anos, mais da metade (57,8%) precisa de um tratamento dentário eletivo (não urgente) ou imediato. Nesse grupo, 21,3% necessita de prótese (fixa ou removível) superior, e 29%, da inferior.
No grupo de 65 a 74 anos, 37,5% precisam de prótese superior, e 28%, da inferior. Nessa faixa etária, 50% necessitam de atendimentos eletivos ou urgentes.
O aposentado Albertinho Sebastião da Silva, 75, é um dos que precisam de prótese, mas ainda não conseguiu extrair os dentes condenados porque a diabetes está descontrolada. Na última quarta (5), ao chegar à UBS Cambuci (região central de São Paulo), o índice glicêmico estava em 274 (o normal é abaixo de 100), e o atendimento foi adiado.
“Ele tem programadas três extrações para, depois, colocar a prótese. Mas é a segunda vez que vem e a diabetes está sem controle”, conta o cirurgião-dentista Fabio Benistock, que encaminhou Silva à equipe de saúde da família, com a recomendação de que ele seja avaliado também por uma nutricionista.
O aposentado diz que toma o medicamento para controle da glicemia, mas que não consegue fazer atividades físicas e também não abre mão de comer o que gosta. “Meu café da manhã é sagrado: são dois pães e duas bananas todos os dias.”
O país tem um programa de saúde bucal, o Brasil Sorridente, desde 2004. À época, 15 milhões de brasileiros já tinham perdido todos os seus dentes, 75% dos idosos eram totalmente desdentados e apenas 42% da população brasileira tinham acesso regular a escova e creme dental.
Desde então houve avanços, mas a oferta de serviços pelo país é desigual, com grandes iniquidades nas regiões vulneráveis e de difícil acesso. Com a pandemia de Covid-19, os gargalos aumentaram.
Em maio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou uma lei que institui tratamento odontológico como uma política do SUS. Agora, está determinado por lei a oferta do acesso universal a serviços de saúde bucal, que não pode ser descontinuado ou interrompido por gestores.
“Muitas vezes o gestor percebe a prestação do serviço odontológico no município como algo opcional, um benefício a mais que ele está proporcionando. Mas é um direito, a população precisa saber disso. Ninguém consegue ter um organismo saudável se a boca não estiver saudável”, diz Luiz Evaristo Volpato, tesoureiro do CFO (Conselho Federal de Odontologia).
O governo federal anunciou o credenciamento de novas equipes de saúde bucal, a criação de novos serviços e a habilitação de unidades móveis e laboratórios dentários, e um investimento de R$ 136,8 milhões. Hoje, os municípios bancam, em média, 60% dos custos das equipes de saúde bucal. O restante vem do governo federal por meio de incentivos financeiros.
Para Mauro Junqueira, secretário-executivo do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), não é lançando novas políticas que o Ministério da Saúde vai resolver os problemas assistenciais da ponta do SUS. “É importante ter o incentivo para ajudar e apoiar principalmente os municípios que só fazem o básico em saúde bucal. Mas incentivo não garante financiamento estável. Tem que vir dinheiro novo.”
Maria José Evangelista, assessora técnica do Conass (Conselho Nacional dos Secretários da Saúde), que representa os gestores estaduais, afirma que o ideal é que haja uma equipe de saúde bucal para cada equipe de saúde da família. “Isso ainda não foi possível por falta de financiamento. Mas já tivemos crescimento. Antes não tínhamos nada, éramos um país de desdentados”, diz.
Para ela, também é importante ter investimentos na prevenção dos problemas dentários, com políticas intersetoriais. “Não se resolve tudo só com atendimentos. Se as escolas continuarem colocando no lanche bebidas açucaradas, a gente não avança.”
Dados do Previne Brasil, um programa federal que vincula parte dos recursos da atenção primária ao cumprimento de metas assistenciais, mostram que um terço dos municípios (33%) não conseguiu cumprir a meta de manter a saúde bucal das gestantes sob controle no primeiro trimestre de 2023 .
“Falta acesso porque o número de equipes é insuficiente. A política é de uma equipe de saúde bucal para duas equipes de saúde da família, mas muitos municípios nem isso têm”, conta Kleverson Miranda, especialista em medicina de família e consultor da Impulso.Gov.
Junqueira, do Conasems, afirma que quase 70% das UBSs do país fazem atendimento bucal, em geral os mais básicos. O principal gargalo são os casos mais complexos, como os que demandam tratamento de canal, próteses e cirurgias odontológicas, que dependem de serviços especializados. “O número de serviços é pequeno, a demanda é grande, e as filas são gigantescas.”
Segundo Doralice Severo Cruz, coordenadora de Saúde Bucal do Ministério da Saúde, o acesso à saúde bucal vem se expandindo, mas, além da ampliação da oferta, é preciso agora qualificar esse atendimento. “A pesquisa servirá para que os governos possam planejar políticas públicas com base nas necessidades reais dos brasileiro.”
Para Luiz Volpato, do CFO, um outro desafio é a presença do cirurgião-dentista nos hospitais. Como não há uma regulamentação sobre isso, a decisão fica a cargo dos gestores. “Eles estão presentes apenas em instituições de referência. Ainda é visto como um ‘plus’, não como uma prioridade.”
SP OFERTA PRÓTESES FIXAS E ESTUDA IMPLANTES DENTÁRIOS
Na cidade São Paulo, das 470 UBSs, 427 ofertam atendimento odontológico na atenção primária à saúde, segundo a gestão municipal. Há também 31 CEOs (Centros de Especialidade Odontológicas), que atendem as áreas como cirurgias e ortodontia.
Em dezembro, foi inaugurado um novo centro de cuidado odontológico, com dez consultórios funcionando de segunda a sexta, das 7h às 22h, e aos sábados, das 7h às 19h.
Neste ano, o município passou a oferecer próteses fixas nos CEOs e iniciou um projeto-piloto, no Capão Redondo (zona sul), para ofertar implantes dentários.
Em dois centros, também tem tratado de queixas orofaciais (relativas à boca e ao rosto) e das disfunções temporomandibulares (que acometem os músculos mastigatórios), uma demanda que aumentou durante a pandemia.
“Muitas pessoas passaram a fazer o travamento dos dentes, ocasionando dores que aparecem na face”, diz Marta Cypriano, responsável pela área técnica da saúde bucal da Secretaria Municipal da Saúde.