A pandemia expandiu a experiência com educação a distância das instituições de ensino superior e tornou possível novas experiências e soluções tecnológicas. Hoje, uma em cada três especializações no País já é EAD, conforme divulgado neste mês pelo Mapa do Ensino Superior no Brasil, compilado pelo Semesp (sindicato das mantenedoras). O desafio agora passa para o chamado stricto sensu: o Ministério da Educação (MEC) deve avaliar 14 propostas para criação de um primeiro mestrado acadêmico a distância neste ano.
Podem submeter propostas de novos cursos instituições credenciadas no MEC que têm Índice Geral de Cursos (IGC) igual ou superior a 4 (o índice vai até 5) ou, então, tenham um programa de pós-graduação stricto sensu reconhecido pela pasta, em funcionamento, com nota 4 e na mesma área da nova proposição. A análise cabe à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Em agosto de 2019, houve um primeiro edital que permitiu a oferta de cursos de mestrado a distância. Ele recebeu 17 propostas na modalidade – de um total de 652 propostas de mestrado e doutorado para todo o País, incluindo a modalidade presencial.
Das proposições recebidas em 2019, nenhuma foi aprovada pela agência e, com a pandemia, todos os processos de Avaliação de Propostas de Cursos Novos (APCN) foram paralisados em 2020 e 2021. Conforme a Capes, das 1.054 documentações submetidas no edital do ano passado, 14 são cursos EAD, a maioria na modalidade profissional. O resultado final da análise de mérito ainda não foi dado para ninguém – e as que ainda não foram analisadas devem ser avaliadas ao longo do ano, conforme o calendário das reuniões do colegiado.
A regulamentação permite o envio de propostas de doutorado a distância, mas esse cenário está um pouco mais longe da realidade: os projetos podem ser submetidos apenas depois do primeiro ciclo de avaliação do programa de mestrado EAD da instituição em que a formação tenha tido o reconhecimento renovado e recebido, no mínimo, a nota 4.
O debate
Para Enilton Ferreira Rocha, que integra o Conselho de Qualidade da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), a regulamentação atual apresenta fragilidades, principalmente quando comparadas a dispositivos vigentes em outros países. “O conceito de qualidade estabelecido nesses documentos, visto que eles são mais restritivos do que orientadores, ainda não satisfaz o propósito da pesquisa nesse nível de ensino, sendo muito mais burocrático do que preocupado com a qualidade da oferta.”
Conforme Rocha, o caminho para a oferta efetiva de cursos de mestrado e doutorado EAD ainda é longo. “Para se candidatarem a ofertantes, as instituições são submetidas a critérios que muitas vezes não condizem com as realidades das instituições de ensino privadas. Há desigualdades de contexto, de currículos, de infraestrutura, de pessoas e de gestão”, afirma.
No Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), o tema é objeto de debate entre os integrantes dos grupos de trabalho e a organização não tem uma posição definida. Já quanto à forma com que as plataformas virtuais e aplicativos vêm sendo utilizados desde a pandemia, na chamada “plataformização da educação”, existe preocupação.
A associação chama a atenção para o uso das plataformas de ensino de empresas como Google e Microsoft, que cresce nas universidades públicas, e o acesso irrestrito que têm aos dados de usuários. A expansão das ferramentas, empregadas como método, seria responsável pela monetização dos dados e informações, mercantilizando os processos de ensino. Outro aspecto considerado é o impacto do processo de digitalização. “O Andes entende que a qualidade da educação se dá, entre outros aspectos, pela construção coletiva, unindo toda a comunidade, o que só pode se dar no ambiente presencial. Além disso, a tecnologia faz com que tudo seja urgência, o que faz com que percamos a capacidade reflexiva sobre os temas”, afirmou o sindicato.
Para a Abed, uma aprovação futura da pós-graduação stricto sensu a distância poderia contribuir para a melhora da educação superior no Brasil. Entre as possíveis vantagens, Rocha consegue listar a flexibilização e a otimização do acesso e desenvolvimento de atividades de pesquisa em laboratórios digitais e presenciais; intercâmbio digital online e híbrido e cooperação entre instituições de ensino nacionais e estrangeiras, além da interiorização de conhecimento científico, que se encontra frequentemente concentrado nos grandes centros urbanos.
Receios
Uma das preocupações em relação à existência de programas de pós-graduação stricto sensu a distância é a superação de desafios já notados na modalidade EAD. “Este é um ponto crítico”, define Rocha. “A revisão de conceitos da EAD, regulamentos e a seleção de professores e estudantes carece de atenção especial frente aos avanços tecnológicos que podem contribuir ou gerar novas preocupações às instituições de ensino ofertantes.”
De acordo com ele, porém, poderiam ser implementados programas de investigação e de prováveis soluções para problemas educacionais, de saúde, sociais e de desenvolvimento econômico. “Oferecemos mestrado e doutorado mais no campo da revisão teórica, em detrimento de pesquisas com geração de produtos, artefatos e soluções percebidos pela sociedade brasileira.”
Raio X de matrículas
– 0,7% foi o porcentual de queda nas matrículas em cursos de especialização entre os anos de 2021 e 2022: aumento de 7,3% na rede privada e queda de 39,2% na rede pública.
– 5% foi a queda de matrículas em mestrado entre 2021 e 2022: 3,4% na rede privada e 5,8% na rede pública.
– 19,4% foi a queda nas matrículas em doutorado entre 2021 e 2022: 37,1% na rede privada e 14,1% na rede pública.
– 19,7% foi o aumento no número de matrículas em cursos de ensino superior na modalidade EAD entre os anos de 2020 e 2021.
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