As mortes por acidente vascular cerebral (AVC), segunda principal causa de mortalidade no mundo, devem aumentar 47%, segundo estudo publicado nesta segunda (9) na revista The Lancet Neurology. Em 2020, a doença tirou a vida de 6,6 milhões de pessoas no mundo.
Estima-se que, em 2050, esse número subirá para 9,7 milhões.
Para se ter uma ideia, no mesmo período a população mundial deve crescer 24%.
Conforme a projeção feita no trabalho, a doença deve vitimar sobretudo os moradores de países de baixa e os de média renda, reforçando a necessidade de investimento em vigilância, prevenção, tratamento e reabilitação nesses locais, uma vez que o AVC e sua reincidência podem ser evitados.
Em todas as nações mais pobres, entre as quais está o Brasil, a soma de óbitos deve passar de 5,7 milhões em 2020 para 8,8 milhões em 2050. Já os países ricos devem registrar uma pequena redução, mas manter em torno de 900 mil mortes ao ano.
Os pesquisadores também estimaram o impacto econômico da doença. Em 2017, o custo era de US$ 891 bilhões, considerando despesas diretas (internações e despesas médicas) e indiretas (perda de produtividade). Esse montante deve saltar para US$ 2,3 trilhões em 2050.
Em contrapartida, uma campanha informativa capaz de reduzir em 10% as mortes por AVC custaria apenas US$ 1 por pessoa nos países mais pobres.
A publicação apresenta uma revisão das diretrizes de saúde pública para o AVC, tomando por base pesquisas recentes e entrevistas com 12 especialistas, sendo metade deles de países desenvolvidos e a outra de de nações em desenvolvimento.
Sheila Martins, docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e presidente da Organização Mundial do AVC, diz que as desigualdades no tratamento entre os países são profundas. “Precisamos de uma drástica melhoria agora, não em dez anos.”
Foram estruturadas 12 recomendações. Entre as principais estão estabelecer sistemas de monitoramento de baixo custo; promover campanhas sobre a importância da melhoria do estilo de vida; prioridade no planejamento dos casos agudos com capacitação técnica e equipamentos apropriados; adaptação a contextos regionais e estabelecimento de ecossistemas locais, nacionais e regionais.
Também é destacada no trabalho a necessidade de controle de hipertensão, principal fator de risco para AVC.
MUDANÇA DE HÁBITOS
O aposentado Ricardo Henrique Olivetti, 68, sofreu um AVC aos 53 anos. Ele ficou três meses internado em estado grave e precisou de um longo período de fisioterapia.
“Achei que talvez não fosse me recuperar”, afirma ele.
“Depois disso, comecei a comer mais frutas, beber mais água e, o principal, andar bastante, pois fazer exercício é muito importante.”
O aposentado também faz check-ups a cada seis meses e busca manter a hipertensão sob controle. “Talvez, se tivesse feito tudo isso antes, não teria tido o AVC.”
João Brainer Clares de Andrade, membro da Diretoria da Sociedade Brasileira de AVC e professor adjunto da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), afirma que, além do aumento da expectativa de vida e do risco associado ao envelhecimento, a população também vive um momento nutricional e de estilo de vida que favorecem a incidência do AVC.
“Hábitos relacionados ao uso de ilícitos, ao consumo aumentado de sódio e à obesidade e síndrome metabólica repercutem diretamente na alta da incidência de doenças cerebrovasculares e no aumento da gravidade da doença, especialmente do AVC isquêmico”, diz o neurologista.
Ele reforça que a desinformação é um importante inimigo no Brasil, em especial na faixa de 30 a 45 anos. “A incidência de AVC tem crescido, especialmente em pacientes jovens, então aumenta a necessidade de treinamentos de identificação dessas condições, assim como de qualificação de toda a rede de assistência. O grande desafio é mostrar para essa população mais jovem que ela de fato pode ter AVC.”
Cristoforo Scavone, professor do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, diz que a indicação é manter o exercício físico em dia, porque isso aumenta a resiliência e diminui a ansiedade e estresse do corpo, e uma dieta mais balanceada.
“Não é não beber nem deixar de comer doces, mas evitar o excesso. Além disso, optar mais por frutas, vegetais, verduras, que têm componentes que desafiam nosso organismo a desenvolver respostas adaptativas protetoras tanto no sistema nervoso periférico como no central.”
AVC E DEMÊNCIA
O estudo também chama a atenção para o fato de o AVC ser um causador de depressão e demência.
O AVC afeta as chamadas “zonas estratégicas” do cérebro, que são extremamente sensíveis e respondem pelo processamento de informações como memória, atenção e concentração.
“A demência vascular é uma demência ‘prima’ do Alzheimer, mas não tem o mesmo mecanismo fisiológico. A gente chama de ‘infarto estratégico’, porque morreu uma parte do cérebro”, diz o neurologista João Brainer Clares de Andrade.
Segundo Cristoforo Scavone, quadros vasculares no sistema nervoso podem desencadear outras doenças a partir de alterações da microcirculação e de inflamações neurológicas.
“Os mediadores da inflamação no sistema nervoso são um pouco diferentes de uma inflamação no sistema periférico. Alterações desse perfil inflamatório podem impactar no sistema e iniciar quadros de doenças neurodegenerativas. Estão envolvidas [ainda] em doenças neuropsiquiátricas, como depressão e esquizofrenia”, afirma o docente.