Autora: Isabelli Fernandes
Representantes do Projeto Ecomulheres, ligado à Alternativa Terrazul, e marisqueiras de Paracuru (CE) confrontaram o governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), nesta quinta-feira (13), durante a COP30, em Belém. O grupo buscava respostas para os impactos da expansão de empreendimentos eólicos, de carcinicultura e de grandes projetos sobre os territórios costeiros do Estado.
O encontro ocorreu logo após Elmano participar da apresentação do “Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Ceará”, em um estande da Zona Verde. Segundo as lideranças, o objetivo era relatar situações vividas pelas comunidades e pedir que o governo considere os efeitos dos projetos sobre a população costeira.
Transição energética contestada
Luana Castelo, representante do Projeto Ecomulheres, da Alternativa Terra Azul, realizado em parceria com o Ministério das Mulheres, afirmou que o grupo atua em municípios diretamente afetados por empreendimentos, como usinas eólicas, o Complexo Industrial e Portuário do Pecém, o hub de hidrogênio verde, o futuro data center em Caucaia e outros projetos em áreas sensíveis. Ela explicou que o projeto fortalece a atuação de mulheres que vivem na linha de frente dessas transformações.
A representante criticou o modo como a transição energética vem sendo conduzida no Ceará. Segundo ela, o processo exclui quem vive nos territórios diretamente afetados. Em suas palavras: “a transição energética não está sendo justa, ela não está sendo popular, ela não está sendo inclusiva”.
A marisqueira Luiza Maria, filha de pescador e integrante do Grupo Guerreiras das Águas, reforçou a crítica ao afirmar que “ele passa por cima do nosso território”. Ela relatou que as comunidades costeiras não reconhecem, na prática, o cenário descrito pelo governador. De acordo com Luiza, pescadores e marisqueiras não recebem qualquer tipo de assistência financeira, enquanto os empreendimentos que, segundo elas, prejudicam o dia a dia da população continuam avançando sobre o litoral cearense.
A situação se agravou quando as lideranças citaram a chamada “chuva de veneno”, expressão usada por comunidades para denunciar o uso de drones na pulverização de agrotóxicos próximo a áreas de moradia e produção. Ao ouvir o termo, o governador encerrou abruptamente a conversa e deixou o local.
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Impactos negativos de usinas eólicas
A expansão dos projetos de energia eólica no litoral do Ceará têm provocado tensões crescentes com comunidades pesqueiras, incluindo Paracuru, onde a pesca artesanal e a mariscagem são pilares econômicos. A tese de doutorado “Cartografia social do mar do ceará: perspectivas da pesca artesanal e os potenciais conflitos com a energia eólica offshore”, de Regina Balbino (2024), aponta que a instalação de parques eólicos – sobretudo offshore – gera perda de habitat, alteração da cadeia alimentar marinha e ruído que afeta peixes e mamíferos, fatores que prejudicam diretamente as atividades da pesca tradicional.
“O ruído intenso e as mudanças na estrutura do ambiente marinho podem causar estresse em peixes e mamíferos, além de prejudicar atividades econômicas como a pesca”, escreve a pesquisadora.
Os impactos são mais fortes nas regiões onde a população tem pouca influência nas decisões políticas, o que inclui comunidades de pescadores e marisqueiras. A tese afirma que “esses impactos são particularmente severos em regiões onde as comunidades enfrentam marginalização política e têm pouco acesso à informação e influência sobre os processos de decisão”. Essa vulnerabilidade ecoa o que lideranças do Projeto Ecomulheres afirmaram na COP30, ao criticar que a transição energética no Ceará “não está sendo justa, não está sendo popular, não está sendo inclusiva”.
“No setor de curta distância, […] a instalação de parques eólicos offshore pode gerar conflitos significativos com as atividades tradicionais, como a pesca artesanal e a mariscagem […]. A proximidade dos aerogeradores com a costa, além de criar desafios para a navegação e riscos de colisões, pode interferir nas rotas de pesca, nos currais de pesca, e em práticas culturais, como regatas e procissões. Esses impactos podem enfraquecer as tradições locais e comprometer a segurança alimentar e a coesão social das comunidades”, disse a autora.
Além disso, o “Panorama da pesca artesanal marítima no estado do Ceará”, de Rubens de Oliveira dos Reis e Filipe Augusto Xavier Lima (2025), mostra que o Ceará possui 124 pontos de desembarque pesqueiro distribuídos pelos 20 municípios costeiros, incluindo oito em Paracuru, o que evidencia o quanto o território marítimo e costeiro é indispensável para a renda, a alimentação e a rotina produtiva dessas comunidades.
Esse estudo ainda destaca que “a pesca é considerada a principal fonte de produção nas comunidades pesqueiras marítimas do Ceará” e que os pescadores dependem de embarcações de pequeno e médio porte que operam diariamente a partir das praias locais, em um sistema economicamente frágil e vulnerável a pressões externas. Dessa forma, qualquer interferência territorial, seja por grandes empreendimentos, alterações ambientais ou restrição de acesso, repercute diretamente na base econômica e cultural dessas populações.
A sobreposição de usinas eólicas terrestres e offshore a áreas tradicionalmente utilizadas por pescadores e marisqueiras tem ampliado tensões, especialmente porque existiam, até março de 2025, 26 projetos em processo de licenciamento para a construção de “complexos eólicos offshore” abertos no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Ou seja, são 26 projetos que, se aprovados, tendem a reduzir os espaços de pesca e afetar também a vida marinha e as comunidades do litoral do Estado.
Esta reportagem foi produzida pela Eco Nordeste, por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original no Link.
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