Cacique Yaiku Suya Tapayuna foi em busca de alternativas para garantir a segurança alimentar diante da imprevisibilidade climática, marcada por secas mais longas e chuvas irregulares
A Aldeia Kawêrêtxikô, lar do povo Kajkwakhratxi-Tapayuna na Terra Indígena (TI) Capoto Jarina, em Mato Grosso, enfrentou um grande incêndio em 2024. As chamas, que cercaram a comunidade no final de setembro, deixaram um rastro de devastação, transformando em cinzas as roças, sementes e matas, essenciais para a sobrevivência das famílias.
“O fogo veio dos dois lados, da parte de cima e embaixo do rio Xingu. Queimou toda a plantação, a mata e os medicamentos naturais”, lembra Yaiku Suya Tapayuna, cacique da Aldeia Thyrykô, localizada na TI Wawi, no Parque Indígena do Xingu.
A Associação Indígena Tapayuna (AIT) classificou o evento como o pior incêndio da história, destacando o cenário de emergência: a perda total de plantações como mandioca, batata-doce, cará, melancia e abóbora.
A busca por soluções: o conhecimento ancestral encontra a inovação
Apesar de não morar na Aldeia Kawêrêtxikô, Yaiku foi em busca de alternativas para garantir a segurança alimentar diante da imprevisibilidade climática, marcada por secas mais longas e chuvas irregulares. A inspiração veio de uma reportagem sobre o Sisteminha Embrapa, um modelo agroecológico integrado.
“Eu assisti ao filme do sisteminha da Embrapa. Achei muito interessante, porque é parecido com o nosso, porque tem peixe e ao mesmo tempo a água do peixe pode irrigar a planta,” explicou Yaiku.
A ideia central do projeto, que alia técnicas ancestrais à inovação sustentável, é a fertirrigação: utilizar a água do tanque de criação de peixes, rica em nutrientes (fezes e restos de ração), para irrigar e fertilizar a roça.
Após buscar apoio, Yaiku conseguiu iniciar o projeto com a parceria da Operação Amazônia Nativa (OPAN), Instituto Socioambiental (ISA) e Amigos da Terra (AdT).
O primeiro passo foi a instalação de um tanque de 10 mil litros, que começou a funcionar há cerca de três meses. No espaço foram introduzidos 200 alevinos (filhotes de peixe), com a expectativa de que cerca de 100 atinjam o tamanho ideal para consumo e venda, após oito ou nove meses.
O indigenista e engenheiro agrônomo da OPAN, Adryan Araujo Nascimento, que acompanha o projeto, explica o funcionamento: “A água dele circula, sai do tanque, passa por um filtro biológico e retorna para o tanque já filtrada. Dentro desse filtro acumula os resíduos, que podem ser usados para irrigação e vão fertilizar o solo e ajudar na adubação das plantas”.
Em períodos de seca, o sistema permite a retirada de mil litros de água por dia já enriquecida com fertilizantes naturais para a roça. “Já fizemos alguns testes neste ano, mas como já chegou o período da chuva, agora vai interromper a irrigação. Mas, no próximo ciclo da roça já é para funcionar com a irrigação”, informa Adryan.
Embora o sistema ainda esteja em fase de aprimoramento e ajuste do calendário agrícola, Yaiku vê um futuro promissor: “É importante, porque às vezes a gente precisa muito de peixe, para ritual. Hoje tem muito lugar que você pode vender, na própria comunidade, pois tem eventos e reuniões. Então, tem facilidade, pois o pessoal adora peixe aqui no Xingu”.
O indigenista Michel de Andrade ressalta que o projeto está sendo adaptado em convergência com a sabedoria ancestral Kajkwakhratxi-Tapayuna. A proposta é que a venda do excedente (seja de peixe ou da roça) ajude a sustentar o ciclo de produção, garantindo a autonomia alimentar.
A urgência da adaptação
O drama vivido pelos Kajkwakhratxi-Tapayuna em 2024 é um reflexo dos desafios crescentes enfrentados por comunidades indígenas na manutenção de suas roças tradicionais. Michel ressalta que as mudanças climáticas têm alterado o ciclo hidrológico e a previsibilidade de plantio, esgotando o solo e ameaçando a biodiversidade agrícola.
Nesse sentido, a experiência na Aldeia Thyrykô, liderada pela visão e determinação de Yaiku, mostra um caminho de adaptação. A integração do Sisteminha Embrapa com os saberes do povo Kajkwakhratxi surge como alternativa para segurança e soberania alimentar diante da crise climática.
Vozes da Amazônia na COP: tapayuna levam suas estratégias a Belém
A experiência do povo Kajkwakhratxi-Tapayuna de adaptação climática ganhará visibilidade internacional. As lideranças da comunidade estão com presença confirmada em atividades na cidade de Belém (PA), durante o período da COP 30 Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30).
Eles participarão de dois espaços: na Amazônia Sempre Station, que será realizada no dia 13 às 14h no Museu Goeldi, com o tema “Roças Indígenas Resilientes: Estratégias de Adaptação às Mudanças Climáticas”. O evento será uma oportunidade para o povo Kajkwakhratxi-Tapayuna compartilhar as dificuldades enfrentadas após o incêndio e o desenvolvimento do projeto integrado de piscicultura e irrigação.
No espaço do Ministério Público Federal (MPF) participam no dia 14, no período da manhã, da mesa “Justiça Climática e Reparação no Campo: Memória, Luta e Resistência”.
Ao levar suas vivências e soluções a Belém, o povo Kajkwakhratxi-Tapayuna reforça o protagonismo indígena no debate global sobre o clima e a importância de apoiar iniciativas que fortaleçam a autonomia e a segurança alimentar das comunidades.




