Decisão sobre o ordenamento do tubarão-azul gera indignação entre representantes da pesca e levanta questionamentos sobre coerência institucional e alinhamento entre órgãos do Executivo
O Coletivo Nacional da Pesca e Aquicultura (Conepe) criticou duramente a revogação da Portaria Interministerial MPA-MMA nº 30/2025, oficializada durante a 8ª Reunião Extraordinária do Comitê Permanente de Gestão (CPG) de Atuns e Afins, ocorrida no último dia 9 de setembro. A entidade vê a decisão como um retrocesso na condução da política pública para o setor e uma afronta ao processo de construção participativa.
Segundo o Conepe, a reunião teve como pauta única a atualização do ordenamento do tubarão-azul, espécie altamente migratória, gerida internacionalmente pela ICCAT. A revogação da norma — construída ao longo de dois anos com base em pareceres científicos nacionais e internacionais — foi comunicada como “decisão de governo”, em anúncio feito por representantes do Ministério do Meio Ambiente (MMA), surpreendendo técnicos, acadêmicos e representantes do setor.
“Lamentamos que uma medida construída com base em evidências científicas e ampla discussão técnica tenha sido revertida dessa forma. O processo participativo, pilar da gestão pesqueira nos últimos anos, foi desconsiderado”, afirma Carlos Eduardo Villaça, presidente do Conepe.
A entidade relata que os representantes do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), anfitrião institucional do comitê, assistiram à decisão com visível desconforto. Para o Conepe, esse silêncio institucional contribui para enfraquecer o papel do próprio MPA na governança pesqueira nacional.
Entre os principais pontos de tensão, está a divergência quanto ao foro e autoridade em que a “decisão”foi publicizada, pois no CONAPE votava-se uma Moção, pautada, contrária ao uso de estropos de aço nas pescarias em áreas de conservação e à comercialização das barbatanas do tubarão-azul. Temas não diretamente afetos a Portaria MPA/MMA 30, que propõe o ordenamento geral de pescarias da espécie em áreas externas às Areas de Proteção, incluindo a limitação de captura a frotas específicas (espinhéis), estabelecendo medidas de controle e monitoramento mais restritos e precisos e, principalmente, tirando subjetividades na composição das capturas. “Havia um equilíbrio técnico na norma que atendia às exigências de sustentabilidade sem comprometer a atividade produtiva. Essa decisão rompe esse equilíbrio, questionando a institucionalidade e a transparência nos processos”, analisa Villaça.
O Conepe também questiona a atuação do IBAMA no processo. Segundo a entidade, embora o órgão tenha papel relevante na fiscalização, não lhe cabe propor ordenamento, o que estaria ocorrendo por influência ideológica e fora do escopo legal. “Reconhecemos o valor técnico do IBAMA, mas é preciso respeitar os limites institucionais de cada órgão. A construção de normas deve se dar de forma participativa, Ibama, varios Ministérios, ONGs e representações provadas, o que foi feito, no CPG Atuns e Afins, e entregue a consolidação e publicação, em abril,com participação do MMA, via Secretaria de Bioeconomia, em seu Depto. de Gestão Compartilhada e o MPA, em atenção aos decretos em vigor e sob a chancela dos respectivos Ministros.”, afirma.
De acordo com os Decretos nº 12.254/2024 e nº 11.624/2023, cabe ao MPA, em articulação com o MMA, a formulação de normas e diretrizes para o uso sustentável dos recursos pesqueiros. O Conepe lembra ainda que o Decreto nº 10.736/2021 estabelece a Rede Pesca Brasil, que institucionaliza os comitês permanentes e o Banco Técnico-Científico da pesca nacional.
“A revogação de uma portaria interministerial com menos de cinco meses de vigência, sem respeito ao foro, aos atores adequados e sem a devida justificativa técnica, compromete a segurança jurídica e enfraquece a credibilidade do processo regulatório”, avalia Villaça.
A entidade afirma que espera uma manifestação firme do MPA, enquanto órgão competente e legalmente responsável pelo Comitê Permanente. “Se há desrespeito a um decreto vigente, é papel do Ministério da Pesca acionar os órgãos de controle e assegurar o cumprimento da legalidade”, reforça.
Durante a reunião, também foi levantada a possibilidade de judicialização do caso. O Conepe avalia que o Ministério Público Federal deve acompanhar o tema, dado o impacto da decisão e o potencial conflito entre normas infralegais e os instrumentos institucionais em vigor.
O coletivo ainda lamenta o desrespeito com os representantes da pesca na reunião e cobra maior coerência do governo federal. “Nos sentimos desconsiderados. A gestão compartilhada precisa ser mais do que um discurso; precisa estar presente nas ações e decisões concretas”, afirma Villaça.
O episódio gerou frustração entre técnicos, pesquisadores e representantes de instituições acadêmicas, como a Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e a Universidade Federal do Rio Grande (FURG), que participaram da elaboração da norma revogada.
O Conepe alerta que a revogação poderá comprometer a posição do Brasil em instâncias internacionais, como a ICCAT, e favorecer concorrentes estrangeiros que já operam com ampla estrutura, apoio estatal e mercados consolidados. “Enquanto abrimos mão de nossas cotas e espaços de atuação, outros países avançam na exploração sustentável de recursos no Atlântico Sul”, conclui Cadu Villaça.