Quase nenhum brasileiro que sofreu infarto ou acidente vascular cerebral (AVC) e tem acompanhamento da Estratégia de Saúde da Família (ESF) utiliza adequadamente remédios para controle de colesterol. Sem o uso desses fármacos, o risco de haver novamente as complicações é alto.
A conclusão é de um estudo brasileiro publicado na revista Lancet Regional Health Americas. A pesquisa, financiada pela farmacêutica Novartis, começou com dados de mais de 2 milhões de indivíduos assistidos pela ESF, programa encabeçado pelo Ministério da Saúde. Na iniciativa, agentes comunitários de saúde fazem visitas domiciliares aos pacientes.
Desse total, cerca de 35 mil deles já tiveram um infarto ou um AVC -esse foi o público principal do estudo. Quando alguém passa por algum desses dois problemas, o uso de medicamentos que regulem o colesterol no sangue é uma das principais formas para evitar reincidência. Dentre as opções de remédios, a classe das estatinas são recomendadas.
“Apesar de todos os avanços […], as estatinas continuam e vão continuar por muito tempo como terapia de base”, resume Raul Santos, médico cardiologista, pesquisador da Academic Research Organization do Einstein e um dos autores do estudo.
O médico afirma que esse tipo de droga pode reduzir em até 50% o colesterol de quem as toma. Além disso, esse tipo de medicamento é seguro e tem um custo mais acessível.
Para descobrir quanto as estaminas estavam em uso nos pacientes com o histórico de complicações, a pesquisa se valeu da pergunta feita pelos agentes de saúde sobre se o paciente fazia uso de algum medicamento. Então, observou-se o índice de pessoas com histórico de problemas cardíacos que estavam ou não utilizando alguma estatina.
E esses números foram muito baixos. Somente 6,7% deles reportaram o uso dos medicamentos. Além desses, foi estratificado que só 0,6% utilizava os remédios em altas doses, considerada o ideal por reduzir ainda mais a chance de reincidência de AVC ou infarto.
Outra forma de controlar mais o colesterol é utilizar a estatina com outras drogas, como o comprimido ezetimiba. Outra saída são os inibidores da proteína PCSK9, que também reduzem o colesterol nos usuários.
“Viu-se que, se acrescentar a ezetimiba ou os inibidores de PCSK9, a gente ganhava mais 7% a 20% na redução de eventos cardiovasculares, ou seja, a gente conseguia potencializar os efeitos da estatina com essas terapias de combinação”, explica Santos.
Os mais de 35 mil pacientes que compuseram a pesquisa, no entanto, também não adotaram esse modelo: só 0,4% reportaram o uso da ezetimiba associada a estatinas, e a utilização dos inibidores de PCSK9 foi basicamente nula.
Alguns fatores podem explicar a baixa adesão a essas terapias complementares. Por exemplo, a dificuldade de acesso é maior: os inibidores não são disponibilizados na rede pública de saúde, enquanto a ezetimiba é até encontrada, mas em volumes reduzidos.
Embora os dados sejam um alerta, o médico ressalta que as informações só dizem respeito aquelas pessoas atendidas pela Estratégia de Saúde da Família. Além disso, a pesquisa é baseada no relato dos pacientes, o que às vezes pode ser inconsistente. Em alguns casos, por exemplo, alguém pode dizer que não está tomando, mas na realidade está utilizando rotineiramente os remédios.
Outros problemas
Além dos cuidados com os remédios para controle de colesterol, a pesquisa observou outras dificuldades no cuidado da saúde dos brasileiros. Por exemplo, houve um baixo engajamento no uso de aspirina, também recomendado para quem teve infarto ou AVC.
Entre os hipertensos, que eram quase 80% da amostra, também havia pouca adesão no tratamento de pressão alta. “Os pacientes nos referiam que não estavam usando os remédios que teoricamente deveriam usar para prevenir novos infartos e derrames”, diz Santos.
Além de não reduzir o colesterol por meio dos remédios, existem outros fatores de risco de ocorrer um infarto ou AVC. Sedentarismo e tabagismo são alguns desses. Os autores também observaram esses hábitos de vida e viram uma relação entre eles e o baixo uso dos medicamentos.
“Pessoas sedentárias e que fumavam mais tinham maior chance de não está tomando seus remédios. A gente entendeu que existe uma associação entre maus hábitos […] e não tomar o remédio”, conclui Santos.