Com casos em alta desde agosto e risco de até 30% desenvolverem covid longa,
estudos revelam sintomas duradouros e efeitos sociais da condição.
Os testes realizados nos laboratórios dos serviços públicos de saúde no país revelam que entre maio e julho a média de casos de covid-19 era de 438 por dia. Em agosto saltou para 699 e em setembro para 2.485. Em outubro, segue a média de dois mil por dia. Os dados constam do Informe Vigilância das Síndromes Gripais, elaborado pela Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, do Ministério da Saúde. Nos laboratórios privados os números também mostram crescimento. Mesmo que subdimensionados – não incluem autotestes vendidos em farmácia, por exemplo –, os dados oficiais indicam que o SARS-CoV-2 está circulando em maior número no país.
Essa curva ascendente não preocupa apenas pelo impacto imediato da doença, mas também por suas consequências de longo prazo: estima-se que até 30% dos infectados desenvolvam a chamada covid longa, condição que pode persistir por meses ou até mais de um ano após a fase aguda.
É nesse contexto que dois estudos realizados por pesquisadores brasileiros ganham relevância diante de desafios tanto para a medicina quanto para os sistemas de saúde.
Invisibilidade social – Para o primeiro estudo, divulgado na revista Ciência & Saúde Coletiva, foram utilizados levantamentos a partir das respostas de uma pesquisa nacional com 1.295 participantes.
A análise revelou não só a ampla presença de sintomas persistentes, mas também as dificuldades vividas pelos pacientes: sensação de abandono, falta de acolhimento ou entendimento por profissionais de saúde, estigmatização e dúvidas quanto ao reconhecimento oficial da condição.
“Muitas pessoas relataram frustração por não serem levadas a sério quando buscaram atendimento. Há uma lacuna entre o que vivem os pacientes e o que os serviços de saúde oferecem para compreender e resolver o que é relacionado à covid longa”, constata Soraya Smaili, professora titular da Escola Paulista de Medicina/Unifesp e coordenadora do Centro de Estudos SoU_Ciência, que participou dos dois trabalhos.
Entre as sugestões espontâneas mais frequentes estiveram a criação de centros de reabilitação física e psicológica, formação dos profissionais de saúde e maior divulgação para a população.
Para a pesquisadora, o reconhecimento oficial da condição é um passo fundamental: “Esses sintomas afetam significativamente a vida das pessoas e muitas vezes passam despercebidos pelos serviços de saúde. Precisamos reconhecer a covid longa como uma condição clínica que exige acompanhamento e políticas públicas específicas.”
Registros hospitalares – Já o segundo estudo, publicado na revista Cell Death and Disease, aplicou técnicas de mineração de dados e inteligência artificial para analisar mais de 22 mil registros médicos de pacientes hospitalizados com covid-19. O objetivo foi mapear sintomas durante a internação e aqueles que permaneceram após a alta.
Conduzido por 18 pesquisadores de instituições como Unifesp, Fiocruz e USP, o trabalho analisou prontuários de pacientes internados em hospitais públicos entre 2020 e 2022. Foram identificados sintomas comuns na fase aguda — febre, tosse, falta de ar, fadiga intensa, perda de olfato e paladar, náuseas, diarreia, confusão mental — e, posteriormente, sintomas persistentes, como fadiga crônica, falta de ar, dores musculares, dificuldades cognitivas, transtornos do sono, além de ansiedade e depressão.
O estudo mostrou ainda que condições pré-existentes, como hipertensão e diabetes, aumentam o risco de desenvolver covid longa.
“Nosso objetivo era entender a experiência real dos pacientes, a partir daquilo que foi registrado no cotidiano dos hospitais, e não apenas com base em entrevistas”, explica Soraya Smaili. “Ferramentas como a mineração de texto ajudam a transformar registros clínicos em conhecimento aplicável, e isso pode fazer diferença para pessoas que continuam sofrendo depois da alta hospitalar.”
Resposta integrada – Ao integrar dados objetivos (registros clínicos) e subjetivos (percepções da população), os dois estudos apontam para a mesma direção: a covid longa é real, afeta um número significativo de pessoas e exige uma resposta pública articulada.
“É urgente estruturar políticas que vão do diagnóstico ao acolhimento, da informação à reabilitação”, enfatiza Soraya Smaili. Para ela, o uso de inteligência artificial nesses estudos mostra também o potencial da tecnologia como aliada da saúde pública: “As ferramentas utilizadas poderão ser aplicadas a outras doenças e tratamentos, antecipando demandas e identificando padrões em tempo real”.




