Para estudiosos, o perfeccionismo está atrelado a uma postura que impacta o sujeito negativamente pelo excesso de cobrança e pela busca por desempenho irreal. Eles diferenciam esse comportamento da conscienciosidade, característica de pessoas que podem, sim, buscar a excelência no que fazem, mas que têm a compreensão de seus próprios limites ou daqueles impostos pelo contexto em que estão.
BUSCA PELA PERFEIÇÃO É UMA ARMADILHA
Junto à frustração, à sensação de fracasso – que abala a autoestima e a autoconfiança –, ao estresse e à ansiedade, o perfeccionismo gera ainda uma certa paralisia. “É um problema porque não consigo entregar nada que não seja ‘perfeito’, só que a perfeição é, em si, inalcançável. Se coloco para mim um parâmetro e métrica inatingíveis, a tendência é que eu desisto ou mesmo que nem sequer comece”, avalia Vivan Wolff, especialista em desenvolvimento humano.
“No fundo, estamos falando de uma característica que atrapalha e que gera a procrastinação. Afinal, como quero tudo dentro de um padrão inatingível, então fico enrolando para fazer ou para entregar o que me é demandado”, complementa.
Na avaliação de Vivian, as redes sociais potencializam o problema, pois a pessoa perfeccionista tende a se comparar ao outro. “As redes são um lugar em que todos estão expondo a sua vida, mas de maneira editada, só com os melhores momentos.
Então, se uma pessoa perfeccionista elege alguém que julgue ter atingido um nível de ‘perfeição’ adequado, passa a buscar isso para si. Mas, se não consegue, o que vai acontecer é que ela vai se sentir mal, minando a própria autoestima”, observa, acrescentando que a insegurança é uma característica comum entre perfeccionistas.
Outra repercussão dessa postura é a dificuldade de se trabalhar em equipe, como aponta o psicanalista Gregor Osipoff, pós-graduado em neurociência. “No geral, essa pessoa acredita que os outros não conseguem seguir o padrão que ela idealizou”, sinaliza.
Assim, a carga de estresse se torna ainda mais concentrada, afinal, além de tentar entregar uma performance irretocável, o sujeito ainda precisa fazê-lo sozinho. Detalhe: essa atitude pode fazer com que pessoas queridas se afastem por se sentirem pressionadas diante de exigências irrealizáveis.
É difícil aceitar que há um problema. Apesar do sofrimento, os perfeccionistas raramente identificam que há um problema na maneira como se cobram e como fazem cobrança aos outros. “Esse indivíduo pode até mesmo se vangloriar de seu rigor, de forma que a compreensão de que essa é uma postura nociva não é uma tarefa fácil”, comenta Gregor Osipoff.
O psicanalista sustenta que a busca pela perfeição vai se revelar um distúrbio quando for motivo de sofrimento para a própria pessoa ou para seu círculo de convivência. Ele também indica que o padrão comportamental pode revelar questões ainda da primeira infância e que esses sujeitos podem necessitar de ajuda terapêutica.
Já Vivian Wolff sugere aos que sofrem com o problema que busquem “se aceitar como um ser humano imperfeito, como todos nós somos”, diz. “E, mais do que isso, devem buscar enxergar que há beleza na imperfeição, que nossas falhas nos fazem únicos”, pontua, acrescentando que cobranças e autocobranças podem ser feitas de forma mais gentil.
“É crucial aceitar que somos bons o bastante em vez de tentar alcançar o inalcançável, porque é isso que precisamos para nos colocar em movimento, para entregar um projeto e para atingir resultados”, complementa.
Sistêmico. Mais que uma postura individual, o perfeccionismo tem se mostrado cada vez mais um traço comportamental comum no mundo contemporâneo. Para estudiosos, a atitude está associada a uma cultura que supervaloriza a performance individual e que cobra excessivamente por resultados. Entre as consequências desse fenômeno aparece o crescimento do número de diagnósticos de transtornos mentais.
A tese é defendida, por exemplo, pelo filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, autor de livros como “Sociedade do Cansaço”. Ele acredita que os sujeitos têm sido estimulados a pensar que o sucesso depende apenas dos esforços deles próprios, como se fatores externos não fossem relevantes. Han sustenta que os cidadãos têm sido lidos como empresários de si mesmos, motivo pelo qual “vive-se com a angústia de não estar fazendo tudo o que poderia ser feito”.
O pensador brasileiro Ailton Krenak também tece comentários sobre essa visão excessivamente utilitarista da existência, como se as pessoas devessem atribuir um sentido de produtividade a todas as suas atividades e tivessem que buscar diuturnamente aprimorar suas habilidades. Esse é o tema central de sua última publicação, o livro “A Vida Não É Útil”.