Depois de aumentar nos últimos dias, o nível do lago Guaíba começou a baixar nesta quarta-feira (15) em Porto Alegre. Com isso, algumas áreas da cidade que antes estavam embaixo d’água voltaram a ficar acessíveis, o que permitiu que moradores conseguissem retornar pela primeira vez a suas casas para ver o estrago causado pelas enchentes. O cenário encontrado por eles foi de destruição, com ruas cheias de lama e cheiro de peixes mortos.
A prefeitura da capital gaúcha também começou a organizar a limpeza da cidade. Em uma primeira etapa, os trabalhos serão realizados nos 21 bairros mais atingidos pela enchente e incluirão raspagem e remoção de terra e lodo, lavagem de ruas e avenidas e recolhimento de resíduos e entulho como móveis destruídos pelas águas.
À medida que as águas baixarem, 20 equipes vão trabalhar na limpeza. Cada equipe deverá ter 25 operários, duas retroescavadeiras, três pás carregadeiras e oito caminhões para retirada de detritos, além de duas vassouras mecânicas, dois hidrojatos e um caminhão-pipa.
“Nossa prioridade agora é limpar as vias e dar acesso às pessoas”, disse o secretário municipal de Serviços Urbanos, Assis Arroyo. O maior desafio, segundo ele, está na zona norte, um local de “população densa e área muito alagada”.
O início dos trabalhos de limpeza foi possível porque o Guaíba subiu menos que o previsto. A expectativa era que ele chegasse a 5,40 metros, o que seria o maior nível já registrado, mas essa projeção não se concretizou. à meia-noite desta quarta-feira, o lago chegou a 5,22 metros; no início da noite, às 19h15, estava em 5,11 metros.
Segundo previsão do IPH (Instituto de Pesquisas Hidráulicas) da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), o nível do lago deve diminuir lentamente nos próximos dias, ficando acima dos 4 metros durante a semana -ou seja, ainda acima da cota de inundação (3 metros). A situação pode se prolongar, dependendo do volume das chuvas. Novas tempestades estão previstas a partir de sexta (17).
De acordo com balanço da Defesa Civil divulgado às 18h desta quarta, a tragédia no Rio Grande do Sul tem 149 mortos, 108 desaparecidos e 806 feridos. O total de pessoas afetadas no estado passa de 2,1 milhões.
Para a operação de limpeza, a Prefeitura de Porto Alegre prevê a contratação emergencial de 550 equipamentos, entre caminhões, carretas, pás carregadeiras e escavadeiras hidráulicas. Também já anunciou que vai precisar de ajuda de voluntários e de outros municípios, que poderão contribuir com empréstimo de máquinas.
O passo seguinte será a limpeza das residências. Nesta quarta, moradores dos bairros Cidade Baixa, Praia de Belas e Azenha já conseguiam acessar suas casas.
Na rua 17 de Junho, no bairro Praia de Belas, a jornalista Cristine Pires, 52, contou que seu prédio ficou com o térreo e parte dos degraus da escada cobertos de lama. Agora, ela e os vizinhos se planejam para iniciar a limpeza pesada.
“A ideia é reunir os moradores para fazermos uma força-tarefa, mas por enquanto não tem como, pois estamos sem luz e vamos precisar de máquinas”, disse. “Ontem só passamos um rodo para tirar o mais grosso da sujeira. O cheiro de podridão é muito forte, tem muitos peixes mortos pelo chão, alguns inclusive no pátio do meu prédio.”
Na rua José Honorato dos Santos, no bairro Azenha, a água baixou mais de 50 cm e abriu caminho para a passagem de um caminhão-guincho, que buscava um carro com lama até o teto. A água ainda transborda por bueiros próximos dali, mas o escoamento rápido das bocas de lobo impede uma nova inundação. O mau cheiro nas redondezas é forte.
Na rua André Belo, paralela à 17 de junho, pessoas retornavam às suas casas para ver o tamanho do estrago. “A faxina não vai ser agora”, afirmou a moradora Sueli Silva. “Ainda tem muita coisa para tirar [de dentro do imóvel].”
O alagamento no apartamento térreo chegou a pouco mais de 30 centímetros, o suficiente para estragar diversos móveis. A prioridade será primeiro remover o entulho, para daí começar a limpeza.
Também nesta quarta, o Internacional divulgou imagens do estádio Beira-Rio, que nos últimos dias foi tomado pela enchente, com as dependências cheias de lama.
O que possibilita o início da limpeza é o conserto gradativo das EBAPs (Estações de Bombeamento de Água Pluvial). Das 23 EBAPs, 9 estão em funcionamento, dentre elas a que permite a captação da água na região.
Na zona norte, alguns pontos alagados podem ter redução no nível da água com o religamento, na manhã desta quarta-feira, da casa de bomba 5, que abrange o Humaitá e a Vila Farrapos. É preciso reativar ainda outras estações.
O Sarandi, que tem 91 mil habitantes, é um dos mais afetados pela enchente do Guaíba e está entre os 21 bairros priorizados para essa primeira fase de limpeza da cidade.
Moradora do bairro, a auxiliar administrativa Cíntia Kovalski, 39, espera que a água baixe de vez para poder começar a faxina. Ela disse que comprou móveis novos recentemente e que poucos não ficaram debaixo d’água. No imóvel Cíntia encontrou bastante lama e pertences boiando pelos cômodos.
“Do restante dos móveis da sala de estar e dos quartos eu acredito que não iremos conseguir salvar nada”, disse. “Não pretendemos comprar móveis novos, estava pagando ainda a maioria, mas vou precisar de pia para cozinha e armário para guardar os mantimentos”, disse. “Ainda não temos ideia de como será. Vimos um pouco da destruição, mas ainda é cedo para mensurar o estrago.”
O Tempo