Dona Geralda Malaquias Gercino, de 76 anos, moradora de Curvelo, na região Central de Minas, mostrou que, para quem tem fé, não há limites. Ela ficou incríveis oito dias dentro de uma grota, com água até o pescoço, sem comer e bebendo apenas as gotas da chuva, e segurando uma boneca, a qual ela chama de “filha”
Tudo começou em um sábado, dia 13 de fevereiro. A idosa saiu sozinha de casa, que fica no bairro Vila de Lourdes, com destino ao Centro da cidade – uma distência de aproximadamente 3 km – para ir ao aniversário de um amigo. Na volta, quando já era madrugada de domingo, colegas pediram um táxi para ela retornar.
“Ela falou para o taxista que morava na rua Niterói, próximo à igrejinha, mas ele não conseguiu achar. Ela saiu do carro a alguns metros da casa dela, para continuar o caminho a pé. No entanto, como estava escuro, ela perdeu a noção de direção e foi para o lado contrário”, contou a cuidadora dela, Crisley Mirela, de 18 anos.
Geralda foi andando por cerca 3 km e, quando chegou próximo a uma linha de trem, às margens da avenida Bias Fortes, no bairro Boa Esperança, ela acabou caindo em um buraco com água, a uma altura de aproximadamente três metros. Sem forças para sair, por lá ficou. Como ela mora sozinha e não tem parentes próximos em Curvelo, no dia seguinte, amigos e vizinhos deram por falta dela.
“Ela ficou lá deitada esse tempo todo, com água até o pescoço e segurando um cipó. Não teve forçar para subir e ficava gritando, mas ninguém escutava, porque era distante de tudo. Nós demos parte na polícia e fizemos um mutirão para tentar encontrá-la, mas sem sucesso”, disse a jovem.
Resgate
“Tem uma amiga dela que é muito religiosa. Ela disse que Deus revelou para ela onde ela tinha que ir para encontrar a dona Geralda. Então, na segunda de manhã, nós saímos e fomos a esse lugar. Lá, gritamos por ela, e ela respondeu: ‘Estou aqui, meu filho. Me tira daqui, pelo amor de Deus'”, relatou Crisley.
Ao ser encontrada, o Corpo de Bombeiros foi acionado para o resgate da vítima. Ela foi levada ao pronto atendimento municipal e depois transferida para o Hospital Imaculada Conceição, em Curvelo, onde está internada.
Conforme as pessoas próximas a ela, Geralda teve apenas um ferimento nas nádegas, mas contraiu uma infecção urinária. Ela deve ficar aos cuidados médicos até o início da próxima semana, tomando medicamentos antibióticos.
“Fiquei rezando”
Em conversa com a reportagem, dona Geralda contou que, além de sua boneca, ela se agarrou o tempo todo em sua fé para conseguir sobreviver. “Eu não bebi nem comi. Eu rezei para a Nossa Senhora me dar muita saúde”, disse.
“Graças a Deus eu não tive nada de mais. Eu estou melhorando, pouco, mas estou”, completou a senhora.
Medicina explica
Segundo o médico geriatra Daniel Azevedo, a boa saúde da vítima a ajudou a passar pela situação sem grandes problemas. “Tem uma série de variáveis, mas o que deve ter sido decisivo foi o estado de saúde dela antes do acidente. Ela é uma senhora aparentemente bem, sem doenças graves. Apesar da idade, o estado dela foi determinante para ela passar esse tempo relativamente bem”, disse.
Ainda de acordo com ele, a hidratação nesses casos é muito importante. “Ela teve sorte de nesses dias ter chovido. Eu não acredito que ela bebeu apenas água da chuva. Ela também deve ter ingerido água da grota, se não, sua chance de sobrevivência seria menor. Nesse caso, vemos que a hidratação é fundamental para qualquer idoso. Sem comida, pode haver alguns problemas, mas sem água, a situação é pior”, explicou.
A também médica geriatra Clara Diniz corrobora a opinião do colega. De acordo com ela, a idade nem sempre é um fator determinante para as pessoas superarem casos extremos como esse.
“A resistência do indivíduo e a capacidade de responder a agressões está relacionada não só à idade, mas também à vitalidade. Na pessoa idosa, essa é a reserva fisiológica. Então, possivelmente, essa paciente tinha uma reserva fisiológica muito boa”, opinou.
“Isso significa que ela não deveria ter, previamente, nenhuma fragilidade física ou nenhuma doença crônica descompensada. Isso deu a ela uma reserva que permitiu a ela resistir uns dias de privação”, acredita Clara.
Azevedo deixa um alerta para as pessoas que convivem com entes de idade mais avançada. “Eu acho que o recado principal é estar atento aos mínimos detalhes. Pode ser um transtorno mental, um problema de visão ou alguma doença que passa despercebida. É muito importante também fazer um acompanhamento com um médico”, concluiu o médico.
FONTE: O TEMPO