O Porta dos Fundos lançou nesta quinta-feira (10) seu especial de Natal de 2020. “Teocracia em vertigem” tem estrutura e narração que fazem lembrar “Democracia em vertigem”, documentário brasileiro que concorreu ao Oscar.
O programa anterior, uma parceria com a Netflix, tinha piadas insinuando que Jesus teve uma experiência homossexual após 40 dias no deserto. Lançada no canal do grupo no YouTube, a edição deste ano tem um Jesus rapper e muitas referências à política brasileira.
Em entrevista ao G1, o roterista e ator Fábio Porchat falou da inspiração no documentário e garantiu que as piadas bíblicas nunca vão se esgotar. “Só a história de Ló dá um especial inteiro maravilhoso.”
O atentado do ano passado e a lista de convidados do especial deste ano (Petra Costa, Emicida, Teresa Cristina) também foram comentados por ele.
G1 – Quando vocês começam a pensar nas ideias pro especial, assim que acabam o do ano anterior?
Fábio Porchat – É meio como no carnaval, sabe? Termina desfile e já começamos a pensar no próximo. Em março, eu já começo a escrever. Escrevo alguns sozinho, outros com parceiros. Em março e abril, escrevo. Em maio, eu entrego e tem a pré-produção. Filmamos em julho e agosto. O deste ano foi mais complicado. Pensei que a gente não iria fazer. Mas tinha que fazer. Este, especialmente, tem um “plus a mais” porque é o logo depois do atentado.
Fizemos brainstorms no Porta e o Gabriel Esteves (roteirista) deu a ideia da paródia de “Democracia em vertigem”. Escrevi em duas semanas. Para o do ano que vem eu tenho dois argumentos, mas a gente vai continuar sem aglomerar, vou ter que espera um pouco ainda, até março ou abril. Para repensar e rever.
G1 – Será que uma hora o especial vai parar de fazer sentido? Sei que é uma adaptação de um livro bem grande, mas você acha que tem algum limite?
Fábio Porchat – Tem muita coisa, o velho testamento é gigante. Só a história de Ló dá um especial inteiro maravilhoso. As pessoas não conhecem a história da Bíblia, as pessoas não sabem quem é Barrabás, não sabem que é Pôncio Pilatos. Mas tem que ser também uma história que dê para entender. Tem piadas do primeiro tratamento (versão inicial do roteiro) que só cristão iria entender.
Mas eu não acho que tenha fim não. Desde o primeiro, o tema tem sido religioso e não precisa ser. Um ano pode ser sobre Papel Noel…. Mas a Bíblia tem muito chão.
G1 – Quando li que seria uma paródia de ‘Democracia em vertigem’, fiquei pensando em quais piadas vocês fariam com o documentário. Mas as referências a ele são mais sutis, como a narração da Clarice Falcão. Se fosse muito sobre ele, ficaria meio cifrado, talvez?
Fábio Porchat – Ele foi mais um ponto de partida, mais uma brincadeira com o formato, do que qualquer outra coisa. Tem a narração de uma diretora, a gente bota a Petra (Costa, diretora do documentário) para brincar um pouquinho e rir disso. São algumas referências, mas não ficamos presos a isso. A gente não podia também gerar imagens, conseguimos resolver esse problema de uma forma criativa. Compramos imagens de paisagens na internet, de Jerusalém, de desertos. Mas o documentário é só uma inspiração.
G1 – E como foi o convite para a Petra (Costa, diretora de ‘Democracia em vertigem’) participar?
Fábio Porchat – Eu que tive a ideia de chamá-la, coloquei no primeiro tratamento do roteiro. Depois de tudo escrito, eu liguei pra ela. Ela falou: “Ah, legal, achei engraçado, topo”. Mandei o roteiro pra ela. Tinha a brincadeira de Jesus cortar ela no espacial… Gravamos o especial todo e ela gravou depois. Ela perguntou se poderia ir além do roteiro, se poderia improvisar. “Claro que sim.” A frase que entrou dela foi ela que fez. Ela falou uma frase ótima e a gente deixou. Depois, ela divulgou, deu entrevista pra “Variety” (revista americana). É legal ela rir de si mesma.
G1 – Tem várias participações de humoristas, do pessoal do Porta, mas outras participações não tão óbvias são do Emicida (com um áudio) e da Teresa Cristina (na música do final). Como foi isso?
Fábio Porchat – O Emicida foi no “Papo de segunda” (programa da GNT) que eu falei com ele. “Faz um off pra mim aqui vai.” Cirene é na África, então fazia sentido que Simão fosse negro. Eu fiquei dirigindo o Emicida. Ele que colocou Peruíbe, Airbnb (no texto). É tudo invenção dele.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html
A Teresa Cristina é uma ideia que partiu do Rodrigo Van Der Put (diretor). Eu mandei a música para ela ler e ela adorou. Disse que adorava os especiais de natal. Então, eu tenho duas “Inrizetes” (ajudantes de palco de Inri Cristo). São duas cantoras, a outra é a Silvia Machete, e eu lá frente. E eu não canto nada…
G1 – Você vem cantando e compondo mais, como no fim deste especial e no curta “A Guiana sumiu…”. Canta, mas não canta, é meio “spoken word”, né?
Fábio Porchat – Eu sou zero musical. A trilha é do Gabriel Esteves e ele escreveu a letra comigo, partindo de uma ideia que eu tinha tido de que Jesus não vai voltar. Ele ia me falando, se a frase está mais longa, se não iria rimar. Daí, ele tinha uma solução. O Monty Python fazia muito isso, né? Dá uma quebra total no documentário. A gente tenta fazer de uma forma mais solta, mas termina com um musical alucinação. Tem um rap, termina mais pra cima. Desde o primeiro tratamento eu tinha escrito “Música que Jesus canta”. Tinha que ser assim, apoteótica.
G1 – Como o atentado relacionado ao especial anterior te afetou como roteirista? De alguma forma, fez com que o Porta e você repensassem a segurança de vocês e também temas, piadas?
Fábio Porchat – O atentado só reforçou aquilo que a gente já imaginava: que o Brasil está se tornando um país intolerante, não disposto a dialogar, a não debater e apenas a bater. Um país que sempre foi muito alegre, feliz e que sempre teve na sua essência a troca com o diferente, passou a lidar muito mal com isso. Então, o atentado, na verdade, me afeta como cidadão brasileiro, como morador do Rio de Janeiro, me afeta nesse sentido.
“Em relação a piadas, não mexe com nada. A gente sofreu o atentado e um dia depois lançou um vídeo sobre Jesus de novo, em 2019.”
Continuamos fazendo esse tipo de vídeo. O que a gente entende é quem são essas pessoas que estão vendo isso e a gente tem uma dimensão maior desses ratos e baratas que saíram dos esgotos. Mas não repensamos nada, continuamos fazendo as nossas coisas, vivendo a vida, entrando em cartaz no teatro, andando na rua, fazendo as nossas coisas. A gente entendeu que foi muito mais uma obra de cinco criminosos, muito mais pontual e muito mais único do que falando pelo todo.
Fonte: G1