As irmãs Laura e Laís, de 2 anos, são as primeiras a passarem por uma cirurgia de separação de gêmeos siameses em 2021, no Brasil. As meninas, que nasceram em Piraí do Norte, município baiano distante 320 km de Salvador, foram operadas em Goiânia, no Hospital Materno Infantil (HMI).
Menos de um dia após o procedimento — que durou 17 horas —, o médico-cirurgião responsável pela operação conversou com o Metrópoles. Ao todo, o pediatra Zacharias Calil, referência em casos do tipo, contou com a ajuda de 38 profissionais, dos quais 15 são médicos. Outras duas meninas, de São Paulo, aguardam o mesmo procedimento.
As irmãs nasceram unidas pela bacia e compartilham o intestino. A separação foi complexa pelo fato de as meninas dividirem os aparelhos urinário e digestivo e toda a genitália.
“Imagine duas crianças de pouco mais de 2 anos anestesiadas todo esse tempo? Foi uma cirurgia muito longa e complexa. Elas apresentavam a união de vários órgãos. A parte urinária, por exemplo, foi muito difícil de separar”, conta Zacharias Calil.
A operação terminou por volta das 20h da última terça-feira (26/1) e foi considerada bem-sucedida. Contudo, é necessário o monitoramento ininterrupto durante cinco dias, prazo em que possíveis complicações aparecem. Laura e Laís estão internadas em unidade de terapia intensiva (UTI).
“Separar todos os órgãos foi um desafio. A parte óssea, já que elas estavam ligadas pela bacia, também exige muito da equipe médica e das meninas. Estamos monitorando a evolução para evitar infecções e abertura de pontos, por exemplo”, acrescenta o cirurgião, que também é deputado federal pelo DEM de Goiás.
A espera
O caminho entre a casa das meninas — numa região em que a principal fonte de renda é a cultura do cacau — até o hospital não foi curto. Já ao nascer, em agosto de 2018, as meninas começaram a ser acompanhadas por médicos na Bahia.
A decisão de deixar a cidade natal e partir em busca do tratamento começou efetivamente em outubro do ano passado. Laura e Laís passaram por uma série de exames para avaliação do quadro clínico de delas e planejamento da cirurgia de separação.
No mês seguinte, Zacharias Calil coordenou uma equipe de 12 profissionais na cirurgia para colocação de expansores de pele nas gêmeas.
“O procedimento foi necessário porque elas não teriam pele suficiente para fazer o fechamento, o que geraria riscos”, explica o especialista. A cirurgia também foi realizada no HMI.
Emoção
Esta foi a vigésima cirurgia do tipo realizada por Zacharias Calil. Ele estreou a técnica em 1999, numa operação inédita em Goiás das gêmeas Larissa e Lorraine Gonçalves.
Apesar da expertise, o médico ainda se emociona. “A gente não sabe o que vem pela frente. Essa sempre é uma preocupação”, comenta. Ele ressalta que todas as medidas contra a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, foram tomadas.
A família também fez relatos emocionados após o procedimento. “Eu perguntei para a mãe como ela estava se sentindo. ‘Estou me sentindo bem. Olhávamos elas, e cada uma tem um temperamento, um grau de desenvolvimento, mas estavam juntas’, me contou. Isso é o mais importante, a independência”, frisa o médico.
Entre as dificuldades das meninas, estão ficar de pé e engatinhar. “O desenvolvimento psicomotor delas é normal. Hoje, apesar das dificuldades que terão, elas serão independentes”, comemora Calil.
As meninas continuarão internadas por tempo indeterminado. Até alcançarem 15 anos, segundo Zacharias Calil, elas deverão passar por novas cirurgias de reconstrução.
FONTE: METRÓPOLES